Sobre a economia política do imperialismo contemporâneo

Parte II/V

Por Thanasis Spanidis, via Organização Comunista (KO – Alemanha), traduzido por Carlos Motta

Publicado em lavrapalavra, em 21.06.2023

Esse artigo foi primeiramente circulado internamente à Organização Comunista (KO – Alemanha) e posteriormente publicado em 16 de abril de 2022.


2.1 Dominar o comércio internacional de mercadorias

Outro indicador do peso econômico de um país são suas exportações. A tabela a seguir mostra as exportações dos maiores exportadores mundiais.

Figura 1: Comércio mundial em 2020

Fonte: Banco Mundial.

[Tradução: Exportação mil milhões de dólares, 2020. China, EUA, Alemanha, Japão, Reino Unido, França, Países Baixos, Coreia do Sul, Singapura, Irlanda, Itália, Suíça, Índia, Canadá, México, Bélgica, Espanha, Rússia]

Claro, a composição dessas exportações também é relevante. Faz diferença se um país exporta principalmente bens industriais de alto valor ou apenas produtos agrícolas não processados. No entanto, essa distinção já se reflete no fato de que os primeiros são vendidos a preços muito mais elevados e, portanto, dificilmente se juntariam às fileiras dos maiores exportadores sem indústria desenvolvida. Portanto, essa série de dados também nos diz algo sobre as hierarquias econômicas: novamente, a China está no topo, seguida por algumas das antigas potências imperialistas, mas Coreia do Sul, Singapura, Irlanda, Índia e México também ocupam partes notáveis do mercado mundial. Mas, a seguir, vejamos quais países lideram as exportações de bens manufaturados, usando como exemplos os setores importantes de veículos automotores, eletrônicos, produtos químicos e máquinas-ferramenta. Sombreados em cinza estão os países que não pertencem à antiga “tríade” imperialista (América do Norte, Europa Ocidental, Japão) (a Irlanda, como uma ex-colônia, também não deve ser contada como parte da “tríade”).

Tabela 3: Maiores exportadores dos setores industriais automotivo, eletroeletrônico, químico, máquinas-ferramenta, em US$ mil milhões, 2020.

Posiç.CarrosEletrônicosProdutos químicosMáquinas-ferramenta
1Alemanha122Hong Kong154China72Alemanha6
2Japão81Taiwan123EUA45Japão5,1
3EUA46China117Irlanda42China3,5
4México40Singapura86Alemanha35Itália2,6
5Coreia do Sul36Coreia do Sul83Suíça26Taiwan1,8
6Bélgica33Malásia49Bélgica24Suíça1,7
7Canadá32EUA44Japão22Coreia do Sul1,6
8Espanha32Japão29Coreia do Sul21EUA1,3
9Reino Unido27Filipinas20Holanda19Bélgica0,7
10Eslováquia24Vietnã14Índia19Áustria0,7
11República Tcheca21Alemanha13Reino Unido16

12França19Holanda12França14

13Itália15Irlanda8Singapura12

14Hungria11Tailândia7Arábia Saudita12

15Suécia11França7Itália10

Fontes: www.worldstopexports.com; Eurostat (para máquinas-ferramentas)

Os países da antiga “tríade” ainda têm maior probabilidade de manter seu domínio na indústria automotiva. Na eletrônica, a maior das indústrias listadas aqui, o domínio está inteiramente no leste e sudeste da Ásia. Na indústria química e no relativamente pequeno setor de máquinas-ferramenta, o quadro é misto, mas também não há domínio ocidental indiscutível.

Certamente, pode-se objetar aqui que a questão depende de quem controla essa produção. Essa objeção é parcialmente justificada; é claro que faz diferença se certos países só aparecem no topo das estatísticas porque foram escolhidos como local de produção de uma indústria estrangeira que então repatria seus lucros para o país-mãe, onde também paga a maior parte de seus impostos. Isso certamente explica em parte, por exemplo, a alta taxa de exportação de automóveis do México, bem como da Espanha e da República Tcheca (Seat e Škoda, como os maiores fabricantes de automóveis, são ambos de propriedade da VW). Portanto, veremos também quais países dominam a economia mundial com suas corporações. No entanto, as estatísticas de exportação são tudo menos sem sentido. Afinal, a burguesia de um local de produção dependente do capital industrial estrangeiro também se beneficia indiretamente dessa constelação na forma de arrecadação de impostos, projetos de infraestrutura regional, transferência de conhecimento e tecnologia etc. Como mostram China, Taiwan, Coreia do Sul, Singapura e outros países, isso certamente pode contribuir para o desenvolvimento independente de um capital monopolista doméstico que pode, inclusive, assumir um papel de liderança internacional a médio e longo prazo. Portanto, justifica-se avaliar as exportações industriais como indicador de posição dentro da pirâmide imperialista.

2.2 A exportação de capital

Para determinar a posição dentro da hierarquia imperialista, a exportação de capital de um país também é importante, pois sua escala determina até que ponto a burguesia – ou seja, principalmente (mas não apenas) o capital monopolista de um país – é ativa em relação a investimentos em outros países. Lênin escreve: “Para o capitalismo moderno, com o domínio dos monopólios, a exportação de capital tornou-se característica.”[4] iv

As exportações de capital podem assumir a forma de investimento direto (IED) ou parceiras público-privadas (PPP), dependendo do tamanho da participação acionária adquirida em uma empresa. Uma vez que os dados de IED estão muito mais prontamente disponíveis, vamos agora olhar para os fluxos de capital de alguns países selecionados. Estes não são números de estoque, mas fluxos de capital dentro de um ano:

Figura 2: Investimento Estrangeiro Direto (Fluxos) em US$ mil milhões, 2020 [5] v.

Fonte: OCDE

[Tradução: EUA, Japão, China, França, Alemanha, Índia, Rússia, Reino Unido]

Como tabela:

Tabela 4: Investimento estrangeiro direto (fluxos) em US$ mil milhões, 2020.

PaísInvestimento estrangeiro direto em US$
EUA264,8
Japão115,7
China109,9
França45,9
Alemanha34,9
Índia11,1
Rússia6,8
Reino Unido-65,4

Fonte: OCDE

O valor informativo do investimento direto em relação às exportações reais de capital é limitado, como quase sempre é o caso das estatísticas burguesas. A categoria marxista de exportação de capital, é claro, não existe nessas estatísticas. Parte do que aparece nas estatísticas como IED não é investimento real, mas sim operações que servem para evasão fiscal ou propósitos semelhantes e muitas vezes são acompanhadas pela mesma quantia sendo transferida de um lado para o outro pelo menos uma vez [6] vi . No entanto, como esse fenômeno não é exclusivo da economia russa, ainda podemos usar os dados sobre o IED como um indicador aproximado da exportação de capital.

O investimento direto mostra que os EUA, a Europa Ocidental e o Japão ainda ocupam uma posição relativamente dominante nos fluxos externos de capitais. A única grande exceção que mudou significativamente o cenário nos últimos anos é a China, que ficou em terceiro lugar em 2020, um pouco atrás do Japão. Se China, Japão e Estados Unidos estiverem na “primeira fila”, então uma segunda fila de França, Alemanha e outros países que foram omitidos para maior clareza (Coreia do Sul, Suécia etc.) vêm na segunda fila. Na terceira estão a Rússia e a Índia (também Bélgica, Itália, Israel, Dinamarca, Austrália etc.). A maioria dos países do mundo, por outro lado, exporta apenas pequenas quantidades de capital abaixo da faixa dos mil milhões. Estes podem ser colocados em uma quarta, quinta e sexta fila, e assim por diante.

Outro indicador da posição de exportação de capital de um país é sua posição líquida de investimento internacional. Essa é a diferença entre as reivindicações que os proprietários de um país têm sobre o resto do mundo e as reivindicações que o resto do mundo tem sobre aquele país. Se essa posição for positiva, significa que o país concedeu mais empréstimos e possui mais ativos no exterior do que vice-versa. Este indicador também tem poder explicativo limitado: pois mesmo que um país tenha aqui um saldo negativo, não se pode deduzir que não seja imperialista. Significa apenas que outros países imperialistas investem mais neste país do que vice-versa.

Figura 5: Posição Líquida de Investimento Internacional de Países Selecionados em US$ mil milhões, 2020

Fonte: Fundo Monetário Internacional.

[Tradução: China (incluindo Hong Kong), Japão, Alemanha, Países Baixos, Singapura, Arábia Sauita, Rússia, Coreia do Sul, Brasil, México, Reino Unido, França, EUA]

O que os dados da tabela 5 nos mostram? Que a China ocupa uma posição de credor líder na hierarquia imperialista e que os EUA encaram o mundo principalmente como um devedor. Mas também que, além da China, outros países fora da “tríade” tradicional, como Singapura, Arábia Saudita, Rússia e Coreia do Sul, também detêm posições positivas significativas em ativos externos. A expansão internacional do capital está longe de se limitar ao “punhado de ladrões” de onde partiu no início do século XX.

2.3 Os grandes grupos monopolistas

Outro indicador importante da posição de um país dentro do sistema imperialista mundial é o número de corporações sediadas naquele país que estão entre as maiores corporações do mundo. As corporações que operam internacionalmente são os principais veículos de exportação de capital, expansão internacional e projeção de poder econômico; sua expansão transfronteiriça é o caldeirão dentro do qual os interesses lucrativos do capital se confrontam globalmente e geram conflitos interestatais.

Vamos dar uma olhada mais de perto neste indicador. Como você sabe, a revista Fortune publica uma lista anual das 500 maiores corporações do mundo. Nem é preciso dizer que as 500 maiores corporações do mundo são todas gigantes econômicas. A 500ª empresa do ranking ainda fatura US$ 24 . A simples afiliação de uma empresa a essa lista comprova uma posição de monopólio global (monopólio no sentido marxista, ou seja, pode haver outros monopólios ativos na mesma indústria). A filiação de um país a essa lista também serve para provar um status elevado na hierarquia imperialista, embora – como veremos – ainda existam diferenças muito grandes a serem consideradas aqui. Entre esses grupos, estão representados grupos industriais, comerciais e também puramente financeiros (mas não bancos). De acordo com o entendimento marxista, porém, em todos os casos, trata-se de capital financeiro monopolista.

Em 2021, essas 500 megacorporações estavam espalhadas por 31 países. O número de 31 por si só deveria ser motivo suficiente para questionar a avaliação de que o imperialismo é dominado por apenas um “punhado de ladrões”. De qualquer forma, a expressão “um punhado” sugere um número limitado de talvez 5 a 7 países.

Mas vamos dar uma olhada mais de perto nos dados. Das 500 maiores corporações, 135 estão sediadas na China, que ocupa o primeiro lugar na lista mundial. Em segundo lugar, sem surpresa, estão os EUA com 122 empresas. Em seguida, Japão com 53, Alemanha com 27, França com 26, Grã-Bretanha com 22 e assim por diante.

Para ver a concentração no topo do Global 500, vamos dar uma olhada nas 20 maiores corporações da lista: delas em 2021, oito eram dos EUA, seis da China e uma do Reino Unido, Alemanha, Sul Coreia, Arábia Saudita, Japão e Holanda.

Quem é agora o número 1? China ou EUA? A China agora colocou mais empresas no Top 500, mas ainda um pouco menos no Top 20. Como outro indicador, você pode somar as vendas das maiores corporações dos dois países e compará-las. As 10 maiores corporações chinesas têm vendas combinadas de 2,2 biliões dólares americanos. As 10 maiores corporações americanas têm um valor um pouco maior: 2,8 biliões de dólares americanos.

Para ilustrar as mudanças, vale a pena comparar com um ponto histórico anterior no tempo. O ano de 1995 é o mais antigo encontrado no banco de dados online da Fortune e, portanto, foi usado aqui como ponto de comparação. Em 1995, os EUA e o Japão estavam empatados com 148 corporações cada. No entanto, uma olhada nas 20 maiores corporações mostra um claro domínio do Japão no topo da montanha: 12 das 20 maiores corporações da época vieram do Japão, e apenas metade (ou seja, seis) dos EUA.

Outros jogadores importantes em 1995 foram a Alemanha com 42, o Reino Unido e a França com 35 grupos cada, os Países Baixos com 12 (mais 1, listado nas Antilhas Holandesas) e a Itália com 11. Uma lista mais detalhada pode ser encontrada na Tabela 6.

Os seguintes fatos são impressionantes:

Em primeiro lugar, todo o Fortune Global 500, bem como seus escalões superiores, continuam a ser dominados por três regiões do mundo, ou seja, Europa Ocidental, América do Norte e Leste Asiático.

Mas, e este é um grande “mas”: em segundo lugar, ao contrário do passado, o Leste Asiático não é mais essencialmente representado pelo Japão a esse respeito. Por um lado, Taiwan e Coreia do Sul também desempenham um papel importante. Por último, e isso provavelmente representa a mudança decisiva no sistema imperialista mundial, o ator econômico mais importante no Leste Asiático já não é o Japão, mas a China.

Um terceiro aspecto torna-se claro sobretudo através da comparação com épocas anteriores: a distribuição tende cada vez mais para uma constelação “multipolar”, no sentido de que nenhum país ou polo imperialista detém mais um domínio econômico claro por meio de suas corporações que dominam o mundo. Taiwan e Coreia do Sul já foram citados, com 8 e 10 corporações na lista, respectivamente. Hoje, no entanto, algumas empresas do Sudeste Asiático (Singapura, Indonésia, Malásia, Tailândia) e do Sul da Ásia (Índia) também estão representadas na lista. A Índia responde por sete dos grupos listados, ou oito se a ArcelorMittal (mais de 40% da qual é propriedade da família bilionária indiana Mittal, mas que está listada em Luxemburgo) estiver incluída. Na América Latina, o Brasil é o jogador mais forte com seis grupos, seguido pelo México com dois. A Rússia, assim como os demais países citados, tem importante papel econômico no segundo escalão e tem quatro grupos na lista global.

Enquanto isso, a maioria dos países da antiga “tríade imperialista” (Europa Ocidental, América do Norte, Japão) sofreram perdas significativas. Os EUA caíram de 148 para 122 corporações. Alemanha de 42 para 27, França e Grã-Bretanha de 35 para 26 e 22 respectivamente. O Japão caiu mais no ranking imperialista como resultado de sua crise de estagnação de décadas: de 148 empresas no Top 500 e 12 das 20 maiores empresas do mundo em 1995 para atualmente 53 na lista Top 500 e apenas uma no Top 20.

Tabela 6: Países selecionados nas listas “Fortune Global 500” 1995 e 2021 (de acordo com o ranking de 2021, desenvolvimentos particularmente drásticos são destacados em cinza)

PaísNúmero no top 500 em 1995Número no top 500 em 2021Número no top 20 em 1995Número no top 20 em 2021
China213506
EUA14812268
Japão14853121
Alemanha422711
França352600
Reino Unido35221 (anglo-holandês)1
Canadá51200
Holanda12, das quais 3 cooperações com Bélgica e Reino Unido + 1 nas Antilhas Holandesas111 (anglo-holandês)1
Coreia do Sul81001
Taiwan2800
Espanha6700
Índia1700
Itália11600
Brasil1600
Rússia0400
México1200

Fonte: Fortune Global500.

Vamos dar uma olhada complementar no ranking dos maiores bancos não incluídos no Fortune Global500.

Tabela 7: Maiores bancos do mundo por ativos, 2021

Posiç.NomePaísCapital em US$
1Banco Industrial e Comercial da ChinaChina5,4
2Banco de Construção da ChinaChina4,6
3Banco Agricultural da ChinaChina4,4
4Banco da ChinaChina4,1
5JP Morgan Chase & CoEUA3,7
6Grupo Financeiro Mitsubishi UFJJapão3,3
7BNP ParibasFrança3,2
8Banco da AméricaEUA3,0
9HSBC HoldingsReino Unido3,0
10Crédito AgrícolaFrança2,7
11Banco de Desenvolvimento da ChinaChina2,6
12CitigroupEUA2,3
13Grupo Financeiro Sumitomo MitsuiJapão2,2
14Banco Postal do JapãoJapão2,1
15Mizuho Financial GroupJapão2,0
16Wells FargoEUA1,9
17BarclaysReino Unido1,9
18Banco de Poupança Postal da ChinaChina1,9
19Banco SantanderEspanha1,9
20Société GénéraleFrança1,8

Fonte: ADV Ratings

Uma olhada nos bancos mostra ainda mais claramente que não há mais nenhuma aparência de domínio dos EUA. Os quatro maiores bancos do mundo são agora bancos estatais chineses. Na segunda linha estão principalmente os bancos dos EUA, Japão e França. A Alemanha, por outro lado, com seu único grande banco, o Deutsche Bank, não está mais no topo.

Ilustração da responsabilidade dos editores portugueses