Sobre os recentes acontecimentos na Síria: toda solidariedade ao povo e aos trabalhadores sírios

Comissão Política Nacional e Comitê Central do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário

09/12/2024

Os planos imperialistas de tomada da Síria não são um ponto fora da curva, mas parte das tentativas de modificar a correlação de forças geopolíticas na região.

Na noite de sábado (07/12) para domingo (08/12), a capital da Síria, Damasco, foi tomada pelas forças opositoras ao governo central de Bashar Al-Assad e produziu-se um momento de desfecho da guerra imperialista em curso no país desde 2011. Os grupos opositores foram liderados na tomada de Damasco pelo Hayat Tahrir al-Sham (HTS), ou “Organização para a Libertação do Levante”, que surgiu como um braço sírio da Al-Qaeda e que, como outros grupos que vêm tentando tomar o controle do país, apresenta-se como uma organização que busca subjugar a Síria sob um regime fundamentalista islâmico salafita. O Partido Comunista Brasileiro Revolucionário, no intuito de compreender a situação e apontar os rumos que uma política internacionalista proletária deve tomar na presente conjuntura, apresenta aqui sua avaliação política preliminar sobre o processo em curso.

Os planos imperialistas de tomada da Síria não são um ponto fora da curva, mas parte das tentativas de modificar a correlação de forças geopolíticas na região. Por um lado, os interesses de Israel em garantir dominação total do Oriente Médio, indo além da ocupação do território palestino, correspondem às necessidades econômicas e políticas do bloco imperialista conformado pelo regime sionista e pelos EUA-OTAN-União Europeia. O financiamento dos EUA a diversos grupos fundamentalistas na região é notório há décadas e, no plano interno dos países, o imperialismo ocidental costuma se apoiar nos conflitos sectários-religiosos previamente existentes, estimulando as versões mais reacionárias e menos seculares para dividir as sociedades com base em critérios religiosos, quando não conseguem a cooperação das classes dominantes locais para seus planos estratégicos, e minando a solidariedade de classe dos trabalhadores. Por outro lado, até o mês passado, era também notório o plano de colaboração do Estado russo com as forças representadas pelo governo de Bashar Al-Assad, buscando utilizar o país como zona de influência própria e de saída para o Mar Mediterrâneo, além de um tampão contra a expansão dos interesses do bloco imperialista Israel-EUA-OTAN-UE para o leste; também os interesses da China na “Iniciativa do Cinturão e Rota”, de criação de condições para uma disputa para exportação de capitais e mercadorias, passa pela estabilidade política de toda a região do Oriente Médio e da Ásia Central sob sua influência e com a colaboração do governo de Al-Assad.

Desde 2011, a Síria está imersa em uma guerra imperialista estimulada pelos EUA e por Israel, bem como pela Turquia, que coloca o povo do país, particularmente a classe trabalhadora, em uma posição dramática. A onda inicial de protestos espontâneos contra o governo burguês de Al-Assad foi rapidamente reprimida pelo governo, bloqueando a possibilidade da hegemonia de forças proletárias e populares; e permitindo que a revolta social fosse capturada pelos mercenários fundamentalistas financiados pelas potências capitalistas ocidentais sem qualquer outra terceira alternativa. Por sua vez, o governo de Al-Assad apenas logrou derrotar essa oposição armada graças ao apoio militar russo. É por isso que, em nossa visão, não se trata simplesmente de uma guerra civil, mas de uma verdadeira guerra imperialista, na qual tanto as guerrilhas reacionárias como o governo burguês apenas sustentam suas posições à base do apoio de potências imperialistas estrangeiras, em nome das quais travam uma “guerra por procuração”. Isso se torna tão mais evidente a partir da celeridade com que o governo Al-Assad caiu frente aos combatentes oposicionistas em um momento no qual, preso ao front ucraniano, o estado burguês russo não pode vir em seu socorro.

Nesse quadro complexo, compreendemos que o governo central de Al-Assad representava, apesar de seu caráter burguês, a única alternativa contra a mais completa colonização da Síria aos pedaços pelas potências imperialistas. No entanto, as próprias frações burguesas que se uniram em torno do governo Al-Assad para combater a intervenção estrangeira e seus joguetes fundamentalistas minaram cada vez mais as próprias bases de sustentação do governo central entre as massas do campo e da cidade por meio de suas próprias políticas liberais e de austeridade, justificadas com base nos “esforços de guerra”. Assim, se nos primeiros anos da guerra o governo central recebeu amplo apoio de diversos setores proletários populares, incluindo o Partido Comunista Sírio, que negociou e conseguiu tropas de combate armadas pelo Estado composta apenas por militantes comunistas para defender o país; nos últimos meses, a popularidade de Al-Assad erodiu brutalmente por conta de sua própria política econômica. Avaliamos que o próprio caráter burguês do regime e seu vínculo com as aspirações imperialistas russas, junto ao próprio desgaste da classe trabalhadora, tendo que “escolher” entre o fundamentalismo religioso e a política burguesa, foram causas para a derrota. A classe trabalhadora foi usada como bucha de canhão em um conflito entre frações da burguesia conectadas a interesses imperialistas. Como em outros casos nas últimas décadas, marcadamente o caso da Líbia (em que a falsa “primavera líbia” abriu espaço para um retrocesso tão grande na luta dos trabalhadores que houve até mesmo a reintrodução da compra e venda de trabalhadores escravizados), a mudança de regime deve representar um alinhamento político que não oferece qualquer solução para o povo e a classe trabalhadora sírios; ao contrário, dado o caráter fundamentalista das forças que tomaram o poder no país, não será surpreendente se houver grandes perseguições a grupos étnico-religiosos, como os alauitas ou os cristãos maronitas, às forças seculares de trabalhadores, como os próprios comunistas, e a todas as minorias sociais, culminando em uma restrição generalizada das liberdades civis e democráticas.

Além disso, a queda do governo central de Al-Assad, mesmo com as contradições de sua política burguesa, permite agora uma nova onda de incursões imperialistas estrangeiras, particularmente da Turquia, que disputa o controle territorial do norte da Síria e que tende inclusive a colocar os territórios curdos da Síria como alvo, para reverter todo tipo de resistência; e de Israel, que já avançou sobre a região de Golã e buscará fechar o corredor de abastecimento de armamentos da resistência palestina que era operado no sul da Síria e no Líbano, que também encontra-se em situação de constantes ataques. Já há alguns anos, o plano de Israel para a região é denunciado pelo Partido Comunista Sírio como um processo de “balcanização” da região, como o processo sofrido pelo povo iugoslavo depois da contrarrevolução na região dos Bálcãs – ou seja, como um processo de estímulo imperialista aos conflitos nacionais, étnicos e religiosos como forma de minar o surgimento de uma unidade da classe trabalhadora local e facilitar, assim, o avanço das posições estrangeiras sobre os países. 

É fundamental sublinhar, para esclarecimento das posições proletárias, que há algumas visões no seio do movimento operário que devem ser combatidas para uma compreensão revolucionária, marxista-leninista, do processo em curso.

A primeira posição que deve ser duramente combatida é a posição trotskista-morenista e correlatas, cuja expressão de maior disseminação no Brasil é a do PSTU (LIT-QI). Em matéria lançada em seu órgão Opinião Socialista, a posição sobre a guerra imperialista na Síria apresenta-se como uma leitura totalmente acrítica em relação às chamadas “forças rebeldes”. Apresentando os avanços contra o governo central sob uma ótica positiva e caracterizando a guerra imperialista como “Revolução Síria”, a posição trotskista-morenista resulta na prática em uma tomada de posição ao lado dos interesses imperialistas de Israel e Turquia e da OTAN na desestabilização do país. Em 2013, o PSTU defendeu a exigência para que os países imperialistas enviassem armas para os “rebeldes sírios” em luta contra o governo central de Al-Assad. Essa posição, que influencia o movimento operário com uma indistinção total entre seus interesses e os interesses imperialistas, deve ser combatida e toda a solidariedade deve ser dada à resistência síria aos planos imperialistas levados a cabo nacionalmente pelos fundamentalistas religiosos.

A segunda posição, que também deve ser combatida, é a posição de apoio irrestrito ao governo de Bashar Al-Assad. A posição do Partido Comunista da Síria foi, durante todo o período da guerra imperialista, de agitar e propagandear contra as reformas liberais e a política burguesa do baathismo sírio, mesmo negociando sua presença nos esforços organizados pelo governo de combate à interferência fundamentalista e imperialista. O governo de Al-Assad, como outros governos nacionalistas-burgueses, não representa os interesses do proletariado sírio e suas políticas liberais inclusive influenciaram negativamente no resultado da guerra. Não seria por meio do regime de Al-Assad que a classe trabalhadora e o povo sírios atingiriam o socialismo. A acumulação de forças feita pelos comunistas deve denunciar, a todo tempo, a falsidade do “socialismo Baath” como um desvio nacionalista e burguês, que se aproveita da pressão imperialista para imprimir aos trabalhadores um colaboracionismo de classes. Iludem-se aqueles que apoiam o governo de Al-Assad como um governo “anti-imperialista”, inclusive na medida de sua colaboração com os governos russo e chineses em seus planos de expansão de influência geopolítica e comercial.

Apontamos, dessa maneira, que o processo hoje em curso representa o ponto de maior derrota para a luta da classe trabalhadora na Síria desde o começo da guerra imperialista. A tendência de disputas territoriais, genocídios e maiores sofrimentos para o povo sírio está dada. Expressamos assim a mais profunda solidariedade internacionalista ao povo sírio, tanto os que ainda estão na Síria quanto os que se refugiaram nos últimos anos de guerra imperialista, reforçando a necessidade de que o Estado brasileiro abra suas portas para o recebimento de quaisquer asilados vindos para o Brasil refugiando-se do fundamentalismo religioso e da destruição promovida pelas potências imperialistas. Expressamos também toda a nossa solidariedade ao Partido Comunista Sírio, com quem já buscamos entrar em contato durante o domingo, para compreendermos melhor o avanço da luta no país.

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