A dominação ideológica linguística

 

 Linguagem e domínio ideológico da burguesia

Sob este título genérico, publicamos quinzenalmente um artigo – de uma série de seis  sobre os abusos e vulgarizações da linguagem que, na prática quotidiana, desvirtuam categorias marxistas e leninistas.

Hoje, publica-se o segundo – A dominação ideológica linguística

II

A dominação ideológica linguística

A dominação ideológica da actual classe dominante faz-se através de diferentes meios e em diferentes disciplinas.

Consideramos, ao contrário da corrente idealista, que não é a ideia que determina a realidade, mas antes esta que determina as ideias e conceções.

Neste sentido, a linguagem e a consciência são determinadas pela forma como o nosso ser exprime a sua vida produtiva (aquilo que produzimos e como produzimos) e nasce da necessidade de intercâmbio entre os seres humanos. Consciência e linguagem constituem, assim, um fenómeno social, pelo que ambas se baseiam nas relações reais que os indivíduos estabelecem entre si:

“serão antes os homens que, desenvolvendo a sua produção material e as suas relações materiais, transformam, com esta realidade que lhes é própria, o seu pensamento e os produtos desse pensamento” (K. Marx e F. Engels, 1845, A Ideologia Alemã).

A linguagem é, neste sentido, um modo de ser do pensamento que se materializa num conjunto de signos que possibilita a comunicação – e, consequentemente, a compreensão humana. Assim sendo, ela não pode ser desligada da ideologia, pelo que a dominação ideológica de uma classe abrange, igualmente, o plano linguístico, podendo, ou modificar a natureza de um conceito – e, assim, afastá-lo da sua etimologia original – , ou globalizá-lo.

Consideramos a globalização de um conceito, ideia ou expressão, como a extensão desse conceito, expressão ou ideia por parte de uma classe económica e politicamente dominante, num Estado imperialista, às classes dominadas do seu Estado e de outros Estados – os quais, apesar de serem capitalistas, são, também eles, dominados por um Império; a globalização de um conceito, ideia ou expressão não tem, por isso, em consideração as diferentes condições culturais e linguísticas dos Estados que se encontram sob o domínio imperial.

Queremos, assim, ressaltar que a globalização imperialista cultural, invertendo, modificando e alterando conceitos, expressões e ideias, fá-lo de forma a que o seu domínio perdure. A manipulação linguística por parte da classe, hoje em dia, mundialmente dominante é, assim, fundamental para a imposição da ideologia pretendida.

Aqueles que constituem a classe dominante têm consciência (e uma consciência de classe para si), dominando o conteúdo do momento histórico em que dominam como classe. São, assim, os pensadores, produtores e distribuidores de conhecimento e de ideias, pelo que “as suas ideias são as ideias dominantes da época” (K. Marx e F. Engels, A Ideologia Alemã, 1845).

No plano nacional, as burguesias nacionais, de forma a efectivarem essa dominação através da linguagem, aliam-se à grande burguesia estrangeira – representante dos interesses dos centros imperialistas –, para, assim, disseminar conceitos, ou esvaziar outros, de acordo com as necessidades quer dos interesses próprios no interior do estado capitalista em que actuam, quer do estado imperial ao serviço do qual estão. A dominação ideológica constitui, desta forma, a consagração do sistema ideológico da classe dominante (Cf. K. Marx e Friedrich Engels, 1845, A Ideologia Alemã).

Sendo assim, quando são utilizadas expressões como, por exemplo, liberdades democráticasdefesa da democracia e defesa das liberdades, há que compreender tais expressões (e, consequentemente, os conceitos que as formam) num determinado quadro de imposição ideológica e, portanto, num determinado quadro de dominação de classe.

Neste sentido, a compreensão do conceito de democracia ou de liberdade depende da leitura de classe que lhe está subjacente. Quando o capital afirma que todas as liberdades democráticas estão asseguradas, no actual estádio de desenvolvimento capitalista, marcado pelo aprofundamento da exploração e de desigualdades que conduzem a um profundo retrocesso civilizacional e à barbárie, o papel dos comunistas deve ser o de desmontar ideologicamente este discurso.

Num sistema estruturalmente desigual, mantido através do domínio de uma minoria, exploradora, sobre um maioria, explorada, baseado na exploração do Homem e dos recursos naturais do planeta, nunca pode haver liberdade, ainda menos democrática, pelo que é fundamental (re)pensar conceitos globalmente vulgarizados. Assim sendo, para um revolucionário capaz de entender e ler cientificamente a sociedade que o rodeia, a democracia burguesa é “a democracia para uma ínfima minoria, a democracia para os ricos – tal é a democracia da sociedade capitalista” (Lénine, 1917, O Estado e a Revolução). Este conceito não pode, consequentemente, ser desligado (tal como o exercício do poder) da natureza de classe de um Estado.

Já em 1902, Lénine assinalava, em Que Fazer?, que há, por um lado, a democracia burguesa “inevitavelmente mesquinha, que exclui sorrateiramente os pobres” e, por outro, a democracia pela qual um revolucionário luta, e que significa “a supressão da dominação de classe”.

A consciência crítica deve-nos, desta forma, pôr em guarda relativamente a conceitos tantas vezes vulgarizados e cujo conteúdo se pretende global. Deve, igualmente, ajudar-nos a fazer uma crítica e autocrítica constantes, como homens e mulheres revolucionários, capazes de ler a realidade, sem esquecer a arma teórica que nos mune contra o capitalismo e a sua actual fase imperialista.

junho 2020