Programa da Internacional Comunista – Parte II/III

Programa da Internacional Comunista

Adotado pelo VI Congresso Mundial

Moscovo, 1 de Setembro de 1928

Parte II/III

A)4. As contradições da estabilização capitalista e a inelutabilidade da queda revolucionária do capitalismo

A experiência de todo o período histórico do pós-guerra demonstra que a estabilização do capitalismo, realizada mediante a impiedosa repressão da classe operária e o agravamento sistemático das suas condições de vida, não pode ser senão parcial, temporária e precária.

O desenvolvimento febril e brusco da técnica, correspondendo em alguns países a uma nova revolução técnica, a aceleração do processo de concentração e centralização do capital, a criação de trusts gigantescos, de monopólios «nacionais» e «internacionais», a interpenetração dos trusts e do Estado, o crescimento da economia capitalista mundial não podem no entanto remediar a crise geral do sistema capitalista. A divisão da economia mundial em sectores capitalista e socialista, a contração dos mercados, o movimento anti-imperialista das colónias agravam ao extremo todas as contradições do capitalismo que se desenvolve sobre a sua nova base do pós-guerra. O próprio progresso técnico e a racionalização da indústria, cujo reverso é o fecho e a liquidação de empresas, a limitação da produção, a exploração impiedosa e rapace da mão-de-obra levam a um desemprego crónico de uma amplitude sem precedentes. O agravamento absoluto das condições de vida da classe operária, mesmo nos países capitalistas muito desenvolvidos, torna-se um facto evidente. A concorrência crescente entre os países imperialistas, a ameaça constante de guerras criam as condições de uma fase nova e superior do desenvolvimento da crise geral do capitalismo e da revolução proletária mundial.

No seguimento do primeiro ciclo destas guerras imperialistas (guerra mundial de 1914- 1918) e da vitória conquistada em Outubro de 1917 pela classe operária no antigo império dos tsares, a economia mundial cindiu-se em duas partes irredutivelmente opostas: os estados imperialistas e a ditadura do proletariado na URSS. As diferenças da estrutura de classes, da natureza de classe do poder, as diferenças de princípio dos objetivos prosseguidos na política interna e externa, na política económica e cultural, a diferente orientação de princípio de todo o desenvolvimento dos dois sistemas opõem violentamente o mundo capitalista ao Estado do proletariado vitorioso. Dois sistemas antagónicos confrontam-se no quadro da economia mundial anteriormente único: capitalismo e socialismo. A luta de classes, que até agora era conduzida sem que o proletariado tivesse poder de Estado próprio, reproduz-se agora numa escala imensa, verdadeiramente universal, tendo já a classe operária o seu Estado, a sua única pátria. A existência da União soviética e a influência mundial que exerce sobre as massas laboriosas e oprimidas são a manifestação mais clara da crise profunda do sistema capitalista mundial, do alargamento e agudização sem precedentes da luta de classes.

O mundo capitalista, incapaz de ultrapassar as suas contradições internas, tenta criar associações internacionais (Sociedade das Nações) cujo objetivo principal é o de travar o desenvolvimento irresistível da crise revolucionária e de estrangular pelo bloqueio ou a guerra a União das Repúblicas proletárias. Simultaneamente todas as forças do proletariado revolucionário e das massas coloniais oprimidas concentram-se em redor da URSS: face à coligação mundial do capital, precário e roído no seu interior, mas armado até aos dentes, ergue-se a coligação mundial, única, do trabalho. Deste modo, no seguimento do primeiro ciclo das guerras imperialistas surgiu uma nova contradição fundamental de uma envergadura e de um significado históricos mundiais: a contradição entre a URSS e o mundocapitalista.

Os antagonismos também se agravaram no sector capitalista da economia mundial. A deslocação do centro económico mundial para os Estados Unidos da América, a transformação da «república do dólar» em explorador mundial agravaram as relações entre os Estados Unidos e o capitalismo europeu, em primeiro lugar com a Grã-Bretanha. O conflito entre o mais poderoso dos velhos países imperialistas e conservadores, a Grã- Bretanha, e o maior país do jovem imperialismo, que já conseguiu conquistar a hegemonia mundial, os Estados Unidos, torna-se no eixo dos conflitos mundiais entre os Estados do capital financeiro. A Alemanha, despojada pelo tratado de Versalhes, restabeleceu-se economicamente e envereda mais uma vez pela via da política imperialista, apresentando- se novamente como um sério concorrente no mercado mundial. Em torno do Pacífico tece- se uma trama de contradições, onde o conflito americano-japonês é a base principal. A par destes antagonismos fundamentais, desenvolvem-se conflitos de interesses entre agrupamentos de potências instáveis e em constante alteração, encontrando-se os estados de segunda ordem reduzidos a um papel auxiliar nas mãos dos gigantes imperialistas e das suas coligações.

O crescimento da capacidade de produção do aparelho industrial do capitalismo mundial, num quadro de redução dos mercados internos da Europa, na sequência da guerra e da saída da União Soviética da esfera das trocas puramente capitalistas, e de extrema monopolização das principais fontes de matérias-primas e de combustíveis, tem como consequência o desenvolvimento de conflitos entre estados capitalistas. A luta «pacífica» pelo petróleo, a borracha, o algodão, a hulha, os metais, por uma nova partilha dos mercados e das zonas de exportação de capitais conduz inevitavelmente a uma nova guerra mundial, que será tanto mais devastadora quanto a técnica militar progride a uma velocidade louca.

Paralelamente aumentam as contradições entre as metrópoles e os países coloniais e semicoloniais. O enfraquecimento, em certa medida, do imperialismo europeu como consequência da guerra, o desenvolvimento do capitalismo nas colónias, a influência da revolução soviética, as tendências centrífugas no seio da maior potência naval e colonial, a Grã-Bretanha (Canadá, Austrália, África do Sul) facilitaram as sublevações nas colónias e semicolónias. A grande revolução chinesa, que envolveu um povo de centenas de milhões de pessoas, abre uma enorme brecha no sistema do imperialismo. A constante agitação revolucionária de centenas de milhões de operários e de camponeses das Índias ameaça quebrar o domínio da Grã-Bretanha, cidadela do imperialismo mundial. O crescimento das tendências hostis ao poderoso imperialismo dos Estados Unidos nos países da América Latina constitui aí uma força contrária à expansão do capital norte-americano. O movimento revolucionário das colónias, que arrasta para a luta contra o imperialismo a imensa maioria da população do globo submetida pela oligarquia financeira e capitalista de algumas «grande potências» imperialistas, demonstra por seu lado a profunda crise geral do sistema capitalista. Mas também na Europa, onde o imperialismo esmaga as pequenas nações sob o seu talão de ferro, a questão nacional é um fator de agravamento das contradições internas do capitalismo.

Enfim, a crise revolucionária amadurece irresistivelmente nos próprios centros do imperialismo: a ofensiva da burguesia contra a classe operária, contra o seu nível de vida, contra as suas organizações e direitos políticos, e a extensão do terror branco provocam a resistência crescente das grandes massas proletárias e o agravamento da luta de classes entre o proletariado e o capital dos trusts. As grandiosas batalhas entre o trabalho e o capital, a radicalização crescente das massas, a influência e autoridade crescentes dos partidos comunistas, o imenso movimento de simpatia das massas operárias pelo país da ditadura do proletariado, tudo isto assinala claramente um novo impulso revolucionário nas metrópoles do imperialismo.

O sistema do imperialismo mundial e a estabilização parcial do capitalismo são portanto minadas por diversos lados: contradições e conflitos entre as potências imperialistas; profusão dos povos coloniais erguidos para a luta; proletariado revolucionário das metrópoles; ditadura do proletariado na URSS e a hegemonia do movimento revolucionário mundial. A revolução internacional está em marcha.

O imperialismo junta as suas forças contra ela. Expedições coloniais, nova guerra mundial, campanha contra a URSS estão na ordem do dia. Isto levará ao desencadear de todas as forças da revolução mundial e à queda inevitável do capitalismo.

I

O comunismo mundial, objetivo final da Internacional Comunista

O objetivo final a que aspira a Internacional Comunista é a substituição da economia capitalista mundial pelo sistema do comunismo mundial. Preparada por todo o desenvolvimento histórico, a sociedade comunista é a única saída para a humanidade. Só ela destruirá as contradições do sistema capitalista que ameaçam a humanidade de degenerescência e a levam à sua destruição.

A sociedade comunista abolirá a divisão da sociedade em classes, isto é, suprimirá a anarquia da produção e ao mesmo tempo todos os aspetos e todas as formas de exploração do homem pelo homem. Não haverá mais classes em luta, mas membros de uma só e da mesma associação mundial de trabalho. Pela primeira vez na história, a humanidade tomará o destino nas suas próprias mãos. Em lugar de destruir um número incalculável devidas humanas e de imensas riquezas nas lutas de classes e de povos, a humanidade usará toda a sua energia na luta pelo domínio das forças da natureza, para desenvolver e aumentar o seu próprio poder coletivo.

Abolida a propriedade privada dos meios de produção e transformada em propriedade coletiva, o sistema comunista mundial substitui as leis elementares do mercado mundial e da concorrência, o processo cego da produção social, pela organização consciente e concertada – num plano de conjunto – tendente a satisfazer as necessidades rapidamente crescentes da sociedade. As crises devastadoras e as guerras ainda mais devastadoras desaparecerão ao mesmo tempo que a anarquia da produção e da concorrência. Ao colossal esbanjamento das forças produtivas, ao desenvolvimento convulsivo da sociedade, o comunismo opõe o uso sistemático de todas as fontes materiais da sociedade e uma evolução económica indolor, baseados no desenvolvimento ilimitado, harmonioso e rápido das forças produtivas.

A abolição das classes e da propriedade privada suprime a exploração do homem pelo homem. O trabalho deixa de ser feito em proveito do inimigo de classe: de meio de existência, transforma-se numa necessidade primordial e vital; a pobreza, a desigualdade económica, a miséria das classes dominadas, o nível miserável da vida material, em geral, desaparecem; a hierarquia dos homens na divisão do trabalho e a contradição entre o trabalho intelectual e o trabalho físico desaparecem, assim como todos os traços de desigualdade social dos sexos. Os organismos de dominação de classe, o poder do Estado em primeiro lugar, desaparecem ao mesmo tempo. Incarnação da dominação de classe, o Estado vai perecendo ao mesmo tempo que desaparecem as classes e todas as formas de constrangimento.

O desaparecimento das classes é acompanhado da abolição do monopólio da instrução. A cultura torna-se património de todos e as antigas ideologias de classes cedem lugar a uma conceção materialista científica do mundo. Toda a dominação do homem pelo homem se torna a partir de então impossível: abre-se um campo ilimitado à seleção social, ao desenvolvimento harmonioso de todas as faculdades da humanidade.

O crescimento das forças produtivas não se depara com nenhuma limitação social. A propriedade privada dos meios de produção, o ganância do lucro, a ignorância artificialmente mantida nas massas, a sua pobreza, obstáculo ao progresso técnico da sociedade capitalista, as enormes despesas improdutivas, tudo isso deixa de existir na sociedade comunista. A utilização tão racional quanto possível das forças da natureza e das condições naturais da produção nas diversas partes do mundo, a abolição da contradição entre a cidade e o campo (contradição que se deve ao sistemático atraso da agricultura e ao baixo nível da sua técnica), a união íntima da ciência e da técnica, a investigação científica e as suas aplicações práticas na mais larga medida social, a organização racional do trabalho científico, o emprego dos métodos mais aperfeiçoados de estatística e de regulação planificada da economia, o crescimento rápido das necessidades sociais – poderoso motor que anima todo o sistema – tudo isso assegura o máximo rendimento no trabalho coletivo e liberta, por seu lado, a energia humana para um vigoroso surto da ciência e das artes.

O desenvolvimento das forças produtivas da sociedade comunista mundial permite elevar o bem-estar de toda a humanidade, reduzir ao mínimo o tempo consagrado à produção material, determinando assim uma expansão da cultura desconhecida pela história. Esta nova cultura da humanidade, pela primeira vez unificada – tendo abolido todas as fronteiras de Estado –, assentará, contrariamente à cultura capitalista, sobre relações serenas e transparentes entre os homens. Enterrará também para sempre toda a mística, toda a religião, todo o preconceito, toda a superstição e dará um poderoso impulso ao desenvolvimento do conhecimento científico que não conhecerá obstáculo algum.

Esta fase superior do comunismo, na qual a sociedade comunista se desenvolverá sobre a sua própria base, em que o desenvolvimento harmonioso dos homens será acompanhado de um conhecimento prodigioso das forças produtivas, no qual a sociedade terá inscrito na sua bandeira: «De cada um segundo as suas capacidades, a cada um segundo as suas necessidades!» supõe, como condição histórica prévia, uma fase inferior da sua evolução, o socialismo. Aí, a sociedade comunista não faz senão sair da sociedade capitalista; sai dela coberta, em todos os sentidos da vida económica, moral, intelectual, pelas taras da velha sociedade de que nasceu. As forças produtivas do socialismo não estão ainda suficientemente desenvolvidas para assegurar a repartição dos produtos do trabalho segundo as necessidades; estes são repartidos segundo o trabalho. A divisão do trabalho, isto é, a atribuição de certas funções especiais a determinados grupos de pessoas, ainda subsiste; a oposição entre o trabalho intelectual e o trabalho físico em particular, não foi ainda radicalmente suprimido. Apesar da abolição das classes, os vestígios da antiga divisão da sociedade subsistem e, a partir daí, os vestígios do poder, da coação, do direito. Existem ainda sobrevivências retardadas da desigualdade. A contradição entre a cidade e o campo não foi eliminada e ainda não desapareceu inteiramente. Mas nenhuma força social apoia ou defende esses vestígios da antiga sociedade. Relacionados a um determinado nível das forças produtivas, eles desaparecem gradualmente à medida que a humanidade, liberta das cadeias do regime capitalista, domina rapidamente as forças da natureza, se reeduca no espírito do comunismo e passa do socialismo ao comunismo integral.

II

O período de transição do capitalismo ao socialismo e a ditadura do proletariado

  1. O período de transição e a conquista do poder pelo proletariado

Entre a sociedade capitalista e a sociedade comunista estende-se um período de transformação revolucionária, a que corresponde um período de transição política, no decurso do qual o Estado não pode ser senão uma ditadura revolucionária do proletariado. A transição da ditadura mundial do imperialismo à ditadura mundial do proletariado preenche um longo período de lutas, de derrotas e de vitórias do proletariado, um período de crise contínua do sistema capitalista e de desenvolvimento das revoluções socialistas, isto é, de guerras civis do proletariado contra a burguesia; período de guerras nacionais e de sublevações coloniais que, não sendo propriamente movimentos socialistas do proletariado revolucionário, se tornam objetivamente, porque socavam a dominação imperialista, partes integrantes da revolução proletária mundial; período que compreende a coexistência, no seio da economia mundial, dos sistemas sociais e económicos capitalista e socialista com as suas relações «pacíficas» e as suas lutas armadas; período de formação de uniões de estados soviéticos socialistas e de guerras dos estados imperialistas contra elas; período de ligação cada vez mais estreita entre os estados soviéticos e os povos coloniais, etc.

A desigualdade do desenvolvimento económico e político é uma lei absoluta do capitalismo. Essa desigualdade acentua-se e agrava-se na época imperialista. Daí resulta que a revolução proletária internacional não pode ser considerada como uma ação única, simultânea e universal. A vitória do socialismo é portanto possível, primeiro em alguns países capitalistas, mesmo num só isoladamente. Mas cada vitória do proletariado alarga a base da revolução mundial e, por consequência, a crise geral do capitalismo. O conjunto do sistema capitalista encaminha-se deste modo para a sua falência definitiva. A ditadura do capital financeiro sucumbe, dando lugar à ditadura do proletariado. As revoluções burguesas consistiam na libertação política de um sistema de relações de produção já dominante na economia e na passagem do poder de uma classe de exploradores para uma outra. A revolução proletária significa, pelo contrário, a intervenção violenta do proletariado no regime de propriedade da sociedade burguesa, na expropriação das classes exploradoras e na passagem do poder para uma classe que coloca como tarefa fundamental a reconstrução total da base económica da sociedade e a destruição de toda a exploração do homem pelo homem. Mas, se as revoluções burguesas demoraram séculos a abolir a dominação política da nobreza feudal no mundo inteiro, quebrando esta dominação por revoluções sucessivas, a revolução proletária internacional, embora não seja um ato único e se estenda por toda uma época, poderá, graças à ligação mais estreita entre os países, cumprir mais rapidamente a sua tarefa. Só após a vitória completa do proletariado no mundo e a consolidação do seu poder mundial se abrirá uma longa época de intensa edificação da economia socialista mundial.

A conquista do poder pelo proletariado é a condição preliminar do crescimento das forças socialistas da economia e do desenvolvimento cultural do proletariado que, transformando-se conscientemente a si próprio, se torna no dirigente da sociedade em todos os domínios da vida, arrasta no processo de mudança as outras classes e cria assim um terreno favorável ao desaparecimento das classes.

Na luta pela ditadura do proletariado e pela subsequente transformação do regime social, a união dos operários e camponeses, base da ditadura do proletariado realizada sob a hegemonia ideológica e política dos proletários, organiza-se face ao bloco dos latifundiários e dos capitalistas.

O período de transição é, no seu conjunto, caracterizado pela implacável repressão da resistência dos exploradores, pela organização da edificação socialista, pela reeducação em massa dos homens no espírito do socialismo e pela superação progressiva das classes sociais. Só cumprindo estas grandes tarefas históricas a sociedade do período de transição começa a transformar-se em sociedade comunista.

Assim, a ditadura do proletariado mundial é a condição prévia e necessária da passagem da economia capitalista mundial à economia socialista. Esta ditadura não pode instituir-se senão pela vitória do socialismo em diferentes países ou grupos de países, novas repúblicas proletárias unindo-se por laços federativos às suas antecessoras e alargando-se a rede destas uniões federativas incluindo as colónias libertas do jugo do imperialismo, para constituir finalmente a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas do Mundo e realizar a unificação da humanidade sob a hegemonia internacional do proletariado organizado em Estado.

A conquista do poder pelo proletariado não é uma «conquista» pacífica da máquina já pronta do Estado burguês por uma maioria parlamentar. A burguesia usa todos os meios de coação e de terror para defender e consolidar a sua propriedade conquistada pela pilhagem e a sua dominação política. Como antes a nobreza feudal, não pode ceder o seu lugar histórico a uma nova classe sem lhe opor uma resistência encarniçada e desesperada. A violência da burguesia não pode ser vencida senão através da violência implacável do proletariado. A conquista do poder pelo proletariado é a abolição violenta do poder da burguesia, a destruição do aparelho de Estado capitalista (exército burguês, polícia, hierarquia burocrática, tribunais, parlamento, etc.) substituída pelos novos órgãos do poder proletário que são, antes de tudo, os instrumentos de repressão destinados a quebrar a resistência dos exploradores.

  1. A ditadura do proletariado e a sua forma soviética

Como demonstrou a experiência da revolução russa de 1917 e da revolução húngara, que alargaram infinitamente a experiência da Comuna de Paris de 1871, a forma de poder proletário que melhor corresponde ao objetivo é o novo tipo de Estado: o Estado sovtico, diferente no seu princípio do Estado burguês, não apenas pela sua essência de classe, mas também pela sua estrutura interna. Este tipo de Estado, que surgiu diretamente do grande movimento das massas, assegura-lhes o máximo de atividade e oferece, por consequência, as maiores garantias de uma vitória definitiva.

O Estado do tipo soviético, que realiza a forma superior da democracia proletária, opõe- se claramente à democracia burguesa, forma velada da ditadura da burguesia. O Estado soviético é a ditadura do proletariado, a classe operária detendo o monopólio do poder. Ao contrário da democracia burguesa, ele proclama bem alto o seu carácter de classe e coloca abertamente como sua tarefa a repressão da resistência dos exploradores no interesse da imensa maioria da população. Priva de direitos políticos os seus inimigos de classe e pode, em condições históricas particulares, dar ao proletariado privilégios temporários, a fim de o consolidar no seu papel dirigente em relação ao campesinato pequeno-burguês infinitamente disseminado. Desarmando os inimigos de classe e quebrando a sua resistência, considera a supressão dos seus direitos políticos e uma certa limitação da sua liberdade como medidas temporárias destinadas a combater as tentativas dos exploradores para defender ou restabelecer os seus privilégios. Na sua bandeira tem inscrito que o proletariado detém o poder não para o perpetuar, não para usá-lo para os seus interesses estreitamente corporativos e profissionais, mas para agrupar cada vez mais as massas atrasadas e disseminadas do proletariado e do semiproletariado dos campos e unir os camponeses trabalhadores aos operários mais avançados, eliminando progressiva e sistematicamente todas as divisões da sociedade em classes.

Forma de unificação e de organização universal das massas sob a direção do proletariado, os sovietes envolvem as grandes massas dos operários, dos camponeses e de todos os trabalhadores na luta, na edificação do socialismo e na administração do Estado. No seu trabalho apoiam-se sobre as organizações de massas da classe operária e realizam uma ampla democracia entre os trabalhadores; estão mais perto das massas que qualquer outra forma de poder. O direito de reeleger delegados e de revogar os seus mandatos, a união do poder executivo e do poder legislativo, as eleições com base nas empresas (fábricas, oficinas, etc.) e não em circunscrições territoriais são outros tantos fatores que asseguram ao proletariado e às restantes massas de trabalhadores sob a sua influência uma participação sistemática constante e ativa em todos os assuntos públicos económicos, políticos, militares e culturais. Estabelecem por isso uma profunda linha de demarcação entre a república parlamentar burguesa e a ditadura soviética do proletariado.

A democracia burguesa repousa, com a sua igualdade puramente formal dos cidadãos perante a lei, sobre uma desigualdade flagrante das classes no domínio material e económico. Mantendo como intocável e consolidando a posse exclusiva dos meios de produção essenciais pela classe capitalista e dos grandes latifundiários, a democracia burguesa transforma por isso mesmo a igualdade puramente formal perante a lei, os direitos e as liberdades democráticas, aliás sistematicamente limitados na prática, numa ficção jurídica para as classes exploradas, e em primeiro lugar para o proletariado, e, por consequência, num instrumento de logro e de submissão das massas. A pretensa democracia exprime a dominação política da burguesia e é por isso mesmo uma democracia capitalista. O Estado soviético, privando a classe exploradora dos meios de produção que monopoliza nas mãos do proletariado, classe dirigente, garante antes do mais e além do mais as condições materiais de realização dos direitos da classe operária e dos trabalhadores em geral, assegurando habitações, edifícios públicos, tipografias, meios de transporte, etc.

No domínio dos direitos políticos e gerais, o Estado soviético, privando desses direitos os inimigos do povo e os exploradores, destrói completamente pela primeira vez a desigualdade dos cidadãos, fundada, nos regimes de exploração, sobre as diferenças de sexo, de religião, de nacionalidade; estabelece neste domínio uma igualdade que não existe em nenhum país burguês; a ditadura do proletariado constrói inexoravelmente a base material que permite realizar esta igualdade: é este o sentido das medidas de emancipação da mulher, da industrialização das antigas colónias, etc.

A democracia soviética é assim uma democracia proletária, uma democracia das massas trabalhadoras, uma democracia dirigida contra os exploradores.

O Estado soviético pressupõe o desarmamento completo da burguesia e a concentração de todas as armas nas mãos do proletariado: é o Estado do proletariado armado. A organização das forças armadas efetua-se com base no princípio de classe, que é conforme a todo o regime da ditadura do proletariado e assegura o papel dirigente do proletariado industrial. Esta organização ancorada na disciplina revolucionária, garante ao mesmo tempo a ligação estreita e permanente dos soldados do Exército Vermelho e da Armada Vermelha às massas laboriosas e a sua participação na administração do país e na edificação do socialismo.

3. A ditadura do proletariado e a expropriação dos expropriadores

O proletariado vitorioso usa o poder conquistado como uma alavanca da revolução económica, ou seja, da transformação revolucionária do regime de propriedade capitalista num regime de produção socialista. O ponto de partida desta profunda revolução económica encontra-se na expropriação dos grandes latifundiários e dos capitalistas, isto é, na transformação da grande propriedade monopolista da burguesia em propriedade do Estadoproletário.

A Internacional Comunista consigna neste domínio à ditadura do proletariado as seguintes tarefas fundamentais:

  1. Indústria, transportes, telecomunicações
  1. Confiscação e nacionalização proletária de todas as grandes empresas (empresas industriais, minas, centrais elétricas) pertencentes ao capital privado; transferência para os sovietes de todas as empresas estatais e municipais;
  2. Confiscação e nacionalização proletária dos transportes ferroviários, rodoviários e fluviais pertencentes ao capital privado, bem como transportes aéreos (frota aérea de comércio e de passageiros); transferência para os sovietes de todos os meios de transporte pertencentes ao Estado e aos municípios;
  3. Confiscação e nacionalização proletária dos serviços de telecomunicações pertencentes ao capital privado (telégrafo, telefone, rádio); transferência para os sovietes de todos estes serviços pertencentes ao Estado, aos municípios, etc.;
  4. Organização da gestão operária da indústria. Criação de organismos governamentais de gestão com participação direta dos sindicatos, sendo assegurado um papel correspondente aos comités de empresa, etc.;
  5. Adaptação da atividade industrial às necessidades das grandes massas de trabalhadores. Reorganização dos ramos da indústria que produziam para o consumo das classes dirigentes (artigos de luxo, etc.). Reforço dos ramos da indústria que favorecem o desenvolvimento da agricultura, a fim de consolidar a ligação com a economia rural, de assegurar o progresso dos domínios agrícolas do Estado e de acelerar o desenvolvimento da economia nacional em geral.

B. Agricultura

  1. Confiscação e nacionalização proletária da grande propriedade fundiária nas cidades e nos campos (propriedades privadas, propriedades da Igreja, conventos, etc.); transferência para os sovietes das propriedades fundiárias do Estado e dos municípios, compreendendo as florestas, o subsolo, a água, etc.; nacionalização ulterior de todo o solo;
  2. Confiscação de todos os bens constituindo os utensílios dos grandes latifúndios (edifícios, alfaias e material diverso, gado, empresas de transformação dos produtos agrícolas, grandes moagens, queijarias, leitarias, secagens, etc.);
  3. Transferência dos grandes latifúndios e mais particularmente daqueles que têm grande importância económica ou podem servir de empresas modelo para os organismos da ditadura do proletariado; organização de explorações agrícolas soviéticas;
  4. Entrega em usufruto de uma parte dos antigos latifúndios e de outras terras confiscadas aos camponeses (aos camponeses pobres e médios) – nomeadamente daquelas que estavam arrendadas a camponeses e serviam para subjugá-los economicamente. A parte das terras transmitidas aos camponeses é determinada pelas necessidades económicas e pela necessidade de neutralizar os camponeses e de os aliar ao proletariado; varia portanto segundo as condições;
  5. Interdição da venda e da compra das terras, a fim de conservar a terra nas mãos dos camponeses e de impedir que passe para as mãos dos capitalistas, especuladores, etc; repressão enérgica de toda a infração a esta lei;
  6. Luta contra a usura. Anulação dos contratos iníquos. Anulação das dívidas dos camponeses explorados. Isenção de impostos aos camponeses mais pobres, etc.;
  7. Amplas medidas de conjunto, por parte do Estado, para elevar as forças produtivas da agricultura; desenvolvimento da eletrificação dos campos, da fabricação de tratores, da produção de adubos químicos e de sementes selecionadas, criação de gado de raça nas explorações soviéticas, ampla organização do crédito agrícola para melhoramento do solo, etc.;
  8. Apoio geral e financeiro à cooperação agrícola e a todas as formas de produção coletiva nos campos (associações, comunas, etc.). Propaganda sistemática da cooperação camponesa (cooperativas de venda, de aprovisionamento, de crédito), na base da iniciativa das massas camponesas: propaganda a favor da passagem à grande produção agrícola que, pela sua incontestável superioridade técnica e económica e pelas suas grandes vantagens económicas imediatas, constitui o meio de transição para o socialismo mais acessível às grandes massas de trabalhadores camponeses.

C. Comércio e crédito

  1. Nacionalização proletária dos bancos privados (entrega ao Estado proletário de todas as reservas de ouro, valores, depósitos, etc.) e transferência para o Estado proletário dos bancos nacionalizados, municipais, etc.;
  2. Centralização de todas as operações bancárias e subordinação de todos os grandes bancos nacionalizados ao Banco Central do Estado;
  3. Nacionalização e transferência para os organismos do Estado soviético do comércio grossista e das grandes empresas comerciais de distribuição (entrepostos, silos, armazéns, stocks de mercadorias, etc.);
  4. Encorajamento por todos os meios da cooperação de consumo considerada como uma parte integrante extremamente importante do aparelho de repartição; unificação do sistema de trabalho da cooperação e da participação ativa das massas na sua edificação;
  5. Monopólio do comércio externo;
  6. Anulação das dívidas do Estado aos capitalistas estrangeiros e nacionais.

D. Proteção do trabalho, condições de vida dos trabalhadores, etc.

  1. Redução da jornada de trabalho para sete horas – seis nas indústrias insalubres. Redução ulterior da jornada de trabalho e passagem à semana de cinco dias nos países de produção desenvolvida. Jornada de trabalho correspondente ao aumento da produtividade do trabalho;
  2. Interdição, como regra geral, do trabalho noturno das mulheres e nas indústrias insalubres. Interdição do trabalho infantil. Interdição das horas extraordinárias;
  3. Redução da jornada de trabalho dos jovens (jornada de seis horas no máximo para os adolescentes até aos 18 anos). Reorganização socialista do trabalho dos jovens, combinando a produção material com a instrução geral e política;
  4. Seguros sociais de todos os tipos (invalidez, velhice, acidentes, desemprego, etc.) financiados pelo Estado (financiados pelo patronato na medida em que subsistam empresas privadas) e geridos de modo completamente autónomo pelos segurados;
  5. Amplas medidas de sanidade social, assistência médica gratuita, luta contra as doenças sociais (alcoolismo, doenças venéreas, tuberculose);
  6. Igualdade social dos sexos perante a lei e nos costumes, transformação radical da legislação do casamento e da família, reconhecimento da maternidade como função social, proteção da maternidade e da infância. Primeiras medidas tendentes ao cuidado e à educação das crianças e da juventude pela sociedade (creches, jardins e casas de infância, etc.). Criação de instituições permitindo reduzir progressivamente o trabalho doméstico (restaurantes e lavandarias públicas), luta sistemática, no domínio da cultura geral, contra a ideologia e as tradições que sujeitam a mulher.

Habitação

  1. Confiscação da grande propriedade imobiliária;

2. Transferência dos imóveis confiscados para os sovietes locais que assegurarão a sua gestão;

3. Instalação dos operários nos bairros burgueses;

3. Colocação à disposição das organizações operárias dos palácios e dos edifícios privados mais importantes;

E. Questões nacional e colonial

  1. Reconhecimento do direito de todas as nacionalidades, sem distinção de raça, disporem livremente de si próprias, incluindo a formação de estados independentes;
  2. Unificação e centralização voluntárias das forças militares e económicas de todos os povos libertos do capitalismo para a luta contra o imperialismo e a edificação da economia socialista;
  1. Luta enérgica, por todos os meios, contra qualquer restrição ou limitação dos direitos de um povo, de uma nacionalidade ou de uma raça, quaisquer que sejam. Igualdade completa das nações e das raças;
  2. Garantia de desenvolvimento e apoio por todas as forças e todos os meios do Estado soviético, da cultura nacional das nações libertas do capitalismo, prossecução de uma política proletária perseverante no desenvolvimento do conteúdo destas culturas;
  3. Ampla assistência ao desenvolvimento económico, político e cultural das «regiões» e das «colónias» antes oprimidas, a fim de constituir aí bases sólidas de uma igualdade nacional efetiva e completa;
  4. Luta contra todas as sobrevivências do chauvinismo, dos ódios nacionais, dos preconceitos de raça e de todos os outros produtos da barbárie feudal e capitalista.

F. Meios de influência ideológica

  1. Nacionalização das tipografias;
  2. Monopolização dos jornais e das edições;
  3. Nacionalização das grandes empresas de cinema, teatros, etc.;
  4. Utilização dos meios nacionalizados de «produção intelectual» para fins de larga instrução política e geral dos trabalhadores e da edificação de uma nova cultura socialista sobre uma base proletária de classe.

4. As bases da política económica da ditadura do proletariado

No cumprimento das diversas tarefas da ditadura do proletariado é preciso tomar em consideração as seguintes regras:

  1. A abolição completa da propriedade privada do solo e a sua nacionalização não podem ter lugar de forma imediata nos países capitalistas mais avançados, nos quais o princípio da propriedade privada está profundamente enraizado nas grandes massas camponesas. A nacionalização do solo não pode ser realizada nestes países senão progressivamente, através de diversas medidas transitórias.
  2. A nacionalização da produção não deve estender-se, regra geral, às pequenas e médias empresas (de camponeses, de artesãos, de pequenos e médios comerciantes, etc.).

Primeiro, porque o proletariado deve estabelecer uma distinção rigorosa entre a propriedade do simples produtor de mercadorias, fundada sobre o seu próprio trabalho, e que é possível fazê-lo entrar na via da edificação socialista, e a propriedade do capitalista, explorador de outrem, cuja liquidação é condição indispensável de toda a edificação do socialismo.

Segundo, porque o proletariado, chegado ao poder, não possui forças organizadoras suficientes, sobretudo durante as primeiras fases da ditadura, para destruir o capitalismo e organizar ao mesmo tempo a ligação das unidades individuais de produção – pequenas e médias – sobre uma nova base socialista; estas pequenas explorações individuais (sobretudo as explorações camponesas) só pouco a pouco serão integradas na via da organização socialista geral da produção, graças ao apoio sistemático e poderoso que o Estado proletário dará a todas as forças da sua coletivização. Toda a tentativa de transformação do seu regime económico pela coação, toda a coletivização forçada só dará resultados negativos.

  1. A existência de um grande número de pequenas unidades de produção (em primeiro lugar de explorações camponesas, de quintas, de oficinas de artesãos, de fundos do pequeno comércio, etc.), não apenas nas colónias, semicolónias e países economicamente atrasados, em que as massas pequeno-burguesas formam a esmagadora maioria da população, mas também nos centros da economia capitalista mundial (Estados Unidos, Alemanha e, até certo ponto, Inglaterra, tornam em certa medida necessário, num primeiro grau de desenvolvimento, a manutenção do mercado como forma da ligação económica, a manutenção do sistema monetário, etc. A diversidade dos tipos económicos (desde a grande indústria socializada à pequena produção artesanal e camponesa), que não pode deixar de ser acompanhada pela sua luta, a diversidade das classes e agrupamentos de classes que lhe correspondem, que têm estímulos económicos diversos na sua atividade e que lutam pelos seus interesses económicos, enfim, a existência, em todos os domínios da vida económica, de costumes e de tradições herdadas da sociedade burguesa, que não podem desaparecer num ápice – exigem que a direção económica do proletariado combine em justas proporções, na base do mercado, a grande indústria socialista e a pequena exploração de simples produtores de mercadorias, realize, noutros termos, uma combinação suscetível de assegurar simultaneamente o papel dirigente da indústria socialista e o máximo impulso da massa principal das explorações camponesas. Quanto maior for a importância do trabalho dos pequenos camponeses disseminados no conjunto da economia nacional, maior é o papel do mercado, menor é a importância da gestão direta segundo um plano estabelecido, maior é a dependência do planeamento geral da economia da previsão das relações económicas espontâneas. Inversamente, quanto menor for o peso da pequena economia na economia nacional, mais importante será a parte do trabalho socializado, mais poderosa a massa dos meios de produção concentrados e socializados e menor será a extensão do mercado, maior a importância do plano geral em relação ao jogo espontâneo das leis de troca e mais importantes e universalmente aplicáveis serão os métodos da gestão direta da produção e da repartição conforme a um plano estabelecido.
  2. As vantagens técnicas e económicas da grande indústria socializada, a centralização por parte do Estado proletário de todas as alavancas de comando da economia (indústria, transportes, grandes explorações agrícolas, bancos, etc.), a gestão planificada da economia, o poder do Estado no seu conjunto (orçamento, impostos, legislação administrativa e legislação geral) conduzem, com a condição de que a ditadura do proletariado siga uma política justa – por outras palavras, que compreenda exatamente as relações das forças sociais –, à eliminação constante e sistemática dos vestígios do capital privado e dos novos elementos capitalistas que, nas cidades como nos campos (camponeses ricos, kulaques), nascem do desenvolvimento da simples produção mercantil, nas condições criadas por uma liberdade de comércio mais ou menos ampla e pelo mercado. A massa principal das explorações camponesas (isto é, de pequenas e médias explorações) é, por outro lado, sistematicamente incorporada pela cooperação e extensão das formas coletivas da agricultura no sistema geral do socialismo em via de desenvolvimento. As formas e os métodos de atividade económica, de aparência capitalista, ligadas às relações económicas do mercado (cálculo do valor, retribuição do trabalho em dinheiro, compra e venda, créditos e bancos, etc.) têm um papel de alavancas do socialismo, uma vez que servem em maior medida as empresas de tipo socialista consequente, ou seja, o sector socialista da economia.

Assim, as relações económicas de mercado, nas condições da ditadura do proletariado e com uma política justa por parte do Estado soviético, contêm no seu desenvolvimento os germes da sua própria destruição: contribuindo para a eliminação do capital privado, para a transformação da economia rural, para a centralização e a concentração dos meios de produção nas mãos do Estado proletário, facilitam a eliminação das relações económicas domercado.

No caso provável de uma intervenção militar dos capitalistas e de uma guerra contrarrevolucionária de longa duração contra a ditadura do proletariado, a direção económica deverá inspirar-se, antes de mais, nos interesses da defesa da ditadura do proletariado; pode impor-se a necessidade de uma política comunista económica de guerra (comunismo de guerra), que não é senão a organização racional do consumo com vista à defesa, acompanhada de uma pressão acrescida sobre os elementos capitalistas (confiscações, requisições, etc.), de uma revogação mais ou menos completa das relações do mercado e de uma alteração profunda dos estímulos individuais da pequena produção, num quadro de quebra das forças produtivas do país. Esta política de «comunismo de guerra», minando a base material dos inimigos da classe operária no interior do país, assegurando a repartição racional dos stocks existentes, apoiando a defesa armada da ditadura do proletariado e encontrando aí a sua justificação histórica, não pode ser considerada como um sistema «normal» de política económica da ditadura do proletariado.

5. A ditadura do proletariado e as classes sociais

A ditadura do proletariado continua a luta de classes em novas condições. É uma luta tenaz, sangrenta e sem efusão de sangue, violenta e pacífica, militar e económica, pedagógica e administrativa, contra as forças e as tradições da antiga sociedade, contra os capitalistas externos, contra os restos das classes exploradoras no interior do país, contra os rebentos de uma nova burguesia que nasce da produção mercantil ainda não eliminada.

No período de liquidação da guerra civil, a luta de classes obstinada continua sob novas formas e, antes de mais, sob a forma da luta entre os vestígios e os novos rebentos dos velhos sistemas económicos, por um lado, e as formas socialistas da economia, por outro. As próprias formas dessa luta modificam-se nas diferentes etapas do desenvolvimento socialista, em cujo início podem revestir uma certa aspereza.

No início da ditadura do proletariado, a política do proletariado em relação às outras classes e grupos sociais do país é determinada pelos seguintes princípios:

  1. A grande burguesia e os grandes latifundiários, os oficiais de carreira devotados a essas classes, os generais e a alta burocracia são inimigos irredutíveis da classe operária; contra eles a luta é mais implacável. A utilização das capacidades de organização de uma determinada parte deles não é possível, regra geral, senão depois da consolidação da ditadura do proletariado e da repressão decisiva de todas as conspirações e sublevações dos exploradores.
  2. No que respeita aos intelectuais-técnicos educados nas tradições burguesas, cujas camadas superiores se encontram estreitamente ligadas aos postos de comando do capitalo proletariado, ao mesmo tempo que reprime com toda a energia qualquer veleidade de movimento contra-revolucionário dos intelectuais hostis, deve ter em conta a necessidade de utilizar esta força social qualificada na obra da edificação socialista e encorajar por todos os meios os neutros e mais ainda aqueles que simpatizam com a revolução operária.
  3. O proletariado, desenvolvendo as perspetivas da edificação económica, técnica e cultural do socialismo em toda a sua amplitude, esforça-se sistematicamente por conquistar os intelectuais-técnicos, por submetê-los à sua influência ideológica e assegurar a sua estreita colaboração na obra de transformação social.
  1. A tarefa do Partido Comunista relativamente aos camponeses consiste em ganhar para a sua causa, apoiando-se no proletariado rural, todas as populações exploradas e laboriosas dos campos. Estabelecendo uma distinção entre as diversas camadas camponesas e tendo em conta a sua importância respetiva, o proletariado vitorioso deve apoiar por todos os meios os camponeses pobres e os semiproletários dos campos, entregar-lhes uma parte das terras dos grandes latifundiários, facilitar a sua luta contra o capital usurário, etc. O proletariado deve ainda neutralizar os camponeses médios e reprimir toda a resistência da burguesia rural aliada aos latifundiários. O proletariado, à medida que consolida a sua ditadura e desenvolve a edificação socialista, deve passar de uma política de neutralização da massa dos camponeses médios a uma política de aliança duradoura com esta, sem nunca admitir alguma partilha do poder. Isto porque a ditadura do proletariado exprime o facto de que apenas os operários industriais estão capacitados para dirigir o conjunto dos trabalhadores; monopólio proletário do poder, ela é, por outro lado, uma forma particular da aliança do proletariado, vanguarda dos trabalhadores, contra o capital para consumar o seu derrubamento irreversível, para reprimir a fundo a resistência e as tentativas de restauração da burguesia e para instaurar e consolidar o socialismo.
  2. A pequena burguesia das cidades, oscilando sempre entre a reação mais negra e a simpatia pelo proletariado, deve igualmente ser neutralizada e, tanto quanto possível, conquistada pelo proletariado. Atinge-se tal finalidade, conservando a sua pequena propriedade e uma certa liberdade de transações económicas, libertando-a do jugo do crédito usurário, assegurando-lhe o apoio múltiplo do proletariado na luta contra todas as formas da opressão capitalista.
  3. As organizações de massas no sistema da ditadura do proletariado

Os objetivos e as funções das organizações de massas – e em primeiro lugar das organizações operárias – mudam radicalmente no cumprimento de todas estas tarefas da ditadura proletária. Os sindicatos, organizações operárias de massas nas quais se organizam e se educam pela primeira vez as camadas mais amplas do proletariado, são, em regime capitalista, o principal instrumento da luta através da greve, depois pela ação de massas contra o capital dos trusts e do seu Estado. Transformam-se sob a ditadura proletária em alavanca essencial da ditadura, numa escola do comunismo que arrasta as grandes massas do proletariado na obra de gestão socialista da indústria, em organizações diretamente ligadas a todos os órgãos do Estado, agindo em todos os ramos da sua atividade, defendendo ao mesmo tempo os interesses permanentes e imediatos da classe operária e combatendo as deformações burocráticas dos órgãos do Estado soviético. Os sindicatos fornecem quadros dirigentes da edificação, trazem para esse trabalho as grandes camadas do proletariado e lutam contra as deformações burocráticas que nascem inevitavelmente da influência das classes estranhas ao proletariado e da insuficiente cultura de massas, e formam assim a estrutura das organizações económicas e sociais do proletariado.

As cooperativas operárias, a despeito das utopias reformistas, são condenadas no regime capitalista a um papel relativamente modesto. Subjugadas pelas condições gerais do sistema capitalista e da política reformista dos seus dirigentes, elas degeneram frequentemente em apêndice do regime; sob a ditadura do proletariado podem tornar-se e tornar-se-ão partes constitutivas essenciais do aparelho de repartição.

Por fim, a cooperação agrícola dos camponeses (cooperativas de venda, de compra, de crédito, de produção) pode e deve – se for bem dirigida, se combater sistematicamente os elementos capitalistas e assegurar a participação efetiva da grande massa dos camponeses trabalhadores que apoiam o proletariado – tornar-se uma das formas de organização fundamentais ligando a cidade ao campo. As associações cooperativas formadas pelos camponeses e que nas condições do capitalismo – na medida em que forem viáveis – se transformam, na sua maioria, em empresas capitalistas (colocadas sob a dependência da indústria capitalista, dos bancos capitalistas, do meio económico capitalista em geral, e dirigidas por reformistas, pela burguesia rural e por vezes mesmo por latifundiários), em regime de ditadura proletária transformam-se num sentido completamente diverso; elas dependem da indústria proletária, dos bancos proletários, etc. Se o proletariado seguir uma política justa, se os elementos capitalistas forem sistematicamente combatidos na cooperação como fora dela, se a indústria socialista exercer o seu papel dirigente, a cooperação agrícola torna-se uma das principais alavancas da transformação socialista dos campos e da coletivização da agricultura. As cooperativas de consumo, e mais particularmente as cooperativas agrícolas dirigidas pela burguesia e pelos seus agentes sociais-democratas, podem ser, pelo menos ao princípio, em certos países, focos de atividade contra-revolucionária e de sabotagem da edificação económica e da revolução operária.

O proletariado assegura a união da vontade e da ação em todo o trabalho da luta e da edificação dos seus mais diversos organismos, chamados a constituir as alavancas do Estado soviético e a ligá-lo às grandes massas de todas as camadas da classe operária através do papel dirigente do Partido Comunista no sistema da ditadura do proletariado.

O partido do proletariado apoia-se diretamente nos sindicatos e nas outras organizações que englobam as massas operárias e, por seu intermédio, os camponeses (sovietes, cooperativas, juventudes comunistas, etc.). Com estas alavancas, ele dirige o conjunto do sistema. O proletariado não poderá cumprir o seu papel de organizador da nova sociedade senão graças ao apoio abnegado e absoluto ao poder dos sovietes por parte de todas as organizações de massas animadas de uma vontade de classe inteiramente unânime dirigida pelo partido.

5. A ditadura do proletariado e a revolução cultural

Este papel de organizador da nova sociedade supõe, no domínio da cultura geral, o amadurecimento cultural do próprio proletariado, uma transformação da sua própria natureza pelos seus próprios esforços, a formação incessante nas suas fileiras de novos quadros de militantes suscetíveis de assimilar todos os recursos da ciência, da técnica e da administração e de os pôr ao serviço da edificação do socialismo e da nova cultura socialista.

Se a revolução burguesa, consumada contra o feudalismo, pressupunha a existência no próprio seio do antigo regime de uma nova classe superior, pela sua maturidade cultural, à classe dominante e exercendo já a hegemonia na vida económica, a revolução proletária desenvolve-se noutras condições. Explorada no plano económico, oprimida no plano político, esmagada no domínio da cultura no regime capitalista, a classe operária não se transforma ela própria senão no período de transição, depois de ter conquistado o poder, destruindo o monopólio burguês da instrução, assimilando a ciência, aproveitando as lições da mais vasta obra edificadora. A formação de uma consciência comunista de massas e a realização do socialismo exige uma transformação das massas humanas só possível pela ação prática, pela revolução; a revolução é portanto necessária não apenas porque a classe dominante não pode ser derrubada por nenhum outro meio, mas também porque a classe que a derruba não pode sair das margens lamacentas da velha sociedade e tornar-se capaz de criar a nova sociedade senão pela revolução.

A classe operária, abolindo o monopólio dos meios de produção, deve igualmente abolir o monopólio burguês da instrução, isto é, apoderar-se de todas as escolas, mesmo das escolas superiores. A preparação, no seio da classe operária de especialistas da produção (engenheiros, técnicos, organizadores, etc.,), de especialistas militares, de cientistas, de artistas, etc., é tarefa de particular importância para a causa do proletariado, à qual é necessário juntar o desenvolvimento geral da cultura das massas proletárias, da sua instrução política, do aumento dos seus conhecimentos e da sua qualificação técnica, da criação entre elas de hábitos de trabalho social e administrativo, da luta contra os vestígios dos preconceitos burgueses e pequeno-burgueses, etc.

Só na medida em que o proletariado forme as suas próprias forças de vanguarda para colocá-las em todos os «postos de comando» da cultura e da edificação socialista, só na medida em que as suas forças crescerem arrastando consigo novos elementos da classe operária no processo de transformação revolucionária da cultura, e suprimirem assim, pouco a pouco, no seio da própria classe operária a divisão entre elementos «avançados» e atrasados» é que o sucesso da edificação vitoriosa do socialismo será assegurado e garantido contra a gangrena burocrática e a degenerescência da classe operária.

Mas o proletariado transforma também, no decurso da revolução, as outras classes, os numerosos elementos da pequena burguesia das cidades e dos campos, em primeiro lugar e muito especialmente os trabalhadores camponeses. Fazendo acorrer as grandes massas à revolução cultural, conduzindo-as para a edificação socialista, unindo-as e educando-as no espírito comunista por todos os meios à sua disposição, lutando energicamente contra todas as ideologias antiproletárias e corporativas, combatendo obstinadamente e sistematicamente o obscurantismo dos campos, a classe operária prepara (na base do desenvolvimento das formas coletivas da economia) a eliminação da divisão da sociedade emclasses.

Entre os objetivos da revolução cultural que interessam às mais amplas massas, a luta contra a religião, esse ópio dos povos, ocupa um lugar especial; esta luta deve prosseguir inflexível e sistematicamente. O poder proletário deve suprimir todo o apoio do Estado à Igreja, agente das classes dominantes, pôr termo a qualquer intervenção da Igreja na educação e no ensino organizados pelo Estado e reprimir sem piedade a atividade contrarrevolucionária das organizações eclesiásticas. O poder proletário, admitindo a liberdade religiosa e abolindo os privilégios da religião anteriormente dominante, pratica ao mesmo tempo por todos os meios ao seu alcance, uma ativa propaganda anti-religiosa e reconstrói todo o ensino e toda a educação na base da conceção científica materialista do mundo.

Para a História do Socialismo

Documentos www.hist-socialismo.net

Traduzido do francês por FM, revisto e cotejado com o russo por CN, 28.07.2010

(Original francês em http://www.marxists.org/francais/inter_com/1928/ic6_prog.htm)

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