Linguagem e domínio ideológico da burguesia
Sob este título genérico, publicamos quinzenalmente um artigo – de uma série de seis – sobre os abusos e vulgarizações da linguagem que, na prática quotidiana, desvirtuam categorias marxistas e leninistas. Hoje, publica-se o quinto –A Revolução de abril de 1974 e a contrarrevolução de novembro de 1975 e a confusão entre etapas e graus transitórios
A Revolução de abril de 1974 e a contrarrevolução de novembro de 1975 e a confusão entre etapas e graus transitórios
No dia 25 de Abril de 1974, o levantamento militar e o levantamento popular que se seguiu criaram uma situação revolucionária. Esta situação revolucionária permitiu que se iniciasse um processo revolucionário que, a 25 de novembro de 1975, foi travado por uma contrarrevolução. Esta contrarrevolução, ainda hoje em curso, permitiu o aprofundamento do capitalismo monopolista e da financeirização da economia.
A contrarrevolução não permitiu, desta forma, a consolidação de um Estado socialista, ou seja, a tomada do poder pelos trabalhadores. Assim, a ditadura da burguesia volta a reafirmar-se, desta feita não sob uma forma fascista, mas – tendo em conta a correlação de forças de então (na qual o trabalho ganhara terreno face ao capital) – sob uma democracia burguesa.
Quando, em 17 de Abril de 1917, Lénine afirma que a “peculiaridade do momento actual na Rússia consiste na transição da primeira etapa da revolução, que deu o poder à burguesia por faltar ao proletariado o grau necessário de consciência e organização, para a sua segunda etapa, que deve colocar o poder nas mãos do proletariado e das camadas pobres do campesinato” (1917, Teses de Abril), a primeira etapa – a revolução democrático-burguesa – constituiu uma mera tática política com vista à criação de uma situação revolucionária que permitisse a transição para o socialismo.
A necessidade desta primeira etapa revelou, apesar disso, as suas contradições e limites. Assim, ainda em setembro do mesmo ano, é o próprio Lénine quem declara o fracasso dessa primeira etapa, clamando a necessidade de uma revolução em que o poder do Estado esteja nas mãos de um governo revolucionário, democrático e popular, assente na vontade de uma maioria de operários e camponeses:
“Não é possível eludir nem afastar a questão do poder, pois esta é precisamente a questão fundamental que determina tudo no desenvolvimento da revolução, na sua política interna e externa. Que a nossa revolução tenha «perdido em vão» meio ano em vacilações em relação à organização do poder, isto é um facto indiscutível, é um facto determinado pela política vacilante dos socialistas-revolucionários e dos mencheviques. E a política destes partidos foi determinada, em última instância, pela posição de classe da pequena burguesia, pela sua instabilidade económica na luta entre o capital e o trabalho. Toda a questão está agora em saber se a democracia pequeno-burguesa aprendeu ou não alguma coisa neste grande meio ano, excepcionalmente rico de conteúdo. Se não, então a revolução está perdida e só uma insurreição vitoriosa do proletariado poderá salvá-la” (Lénine, 1917, Uma das Questões Fundamentais da Revolução).
Em Portugal, a 5 de Outubro de 1910, deu-se uma revolução democrático-burguesa. A burguesia consolida, então, o seu poder e domínio; este domínio impõe-se, gradualmente, destruindo, no essencial, as relações feudais ainda sobreviventes.
É, contudo, 16 anos mais tarde, que esse poder e domínio se aprofundam, efectivando-se através do terrorismo de estado, aliado à grande burguesia (sobretudo, latifundiária). A resposta revolucionária a esse domínio da grande burguesia nacional (em profunda aliança com a oligarquia estrangeira) verificou-se a 25 de Abril de 1974, quando uma Revolução Democrática e Nacional se opõe ao domínio político e económico da classe dominante portuguesa.
O levantamento militar e, depois, o levantamento popular (a conjunção de ambos permitiu a eclosão de uma Revolução) criaram, contudo, uma situação revolucionária que, indo além dos pressupostos iniciais que haviam guiado os capitães no levantamento militar, criou como horizonte a possibilidade de criação de um novo modo de produção (o socialismo), que se propunha como alternativa à ditadura fascista da grande burguesia dos últimos 48 anos. Tratou-se, pois, já não de uma simples revolução democrático-burguesa – e, portanto, de uma etapa (como Lénine a define nas suas Teses de Abril de 1917) que poderia proporcionar novos caminhos para a efectivação de uma revolução socialista –, mas antes de um processo revolucionário que, criando uma situação revolucionária, pretendia implementar uma nova ordem socioeconómica.
Esta situação revolucionária permitiu avanços e progressos; contudo, a tentativa de transição para o socialismo foi travada com o advento da contrarrevolução. Desde então, os progressos e avanços conquistados, quer no período revolucionário, quer no período contrarrevolucionário que imediatamente se seguiu à Revolução, foram alvo de fortes ataques.
Coloca-se, desta forma, na ordem do dia, a necessária transformação revolucionária do sistema actual para a sua efetiva superação.
Assim, se até 24 de abril de 1974 nos encontrávamos em plena ditadura fascista, hoje em dia, encontramo-nos quer perante um processo contrarrevolucionário, que se iniciou com o golpe reacionário de 25 de novembro de 1975, quer num estádio mais avançado de desenvolvimento do capitalismo monopolista.
Como revolucionários, não poderemos, neste contexto, ter dúvidas quanto ao caminho a ser seguido:
- superar o modo de produção capitalista(e as suas consequentes relações de produção) mediante a concretização da ditadura do proletariado, ou seja, da “organização de vanguarda dos oprimidos em classe dominante para o esmagamento dos opressores” (Lénine, 1917, O Estado e a Revolução).
A ditadura do proletariado não pode “limitar-se, pura e simplesmente, a um alargamento da democracia” pois “ao mesmo tempo que produz uma considerável ampliação da democracia, que se torna pela primeira vez a democracia dos pobres, a do povo e não mais apenas a da gente rica, a ditadura do proletariado traz uma série de restrições à liberdade dos opressores, dos exploradores, dos capitalistas” (Lénine, 1917, O Estado e a Revolução).
setembro 2020