Leitura/Curso: Manifesto do Partido Comunista (Marx-Engels)

SINOPSE

 

1. Contexto: Liga dos Justos, Liga dos Comunistas (II Congresso: 29 de novembro-08 de dezembro de 1847). Marx & Engels, Manifesto publicado em 21 de fevereiro de 1848. Em março de 1848, Marx & Engels escrevem o Primeiro Programa de um Partido Comunista, Reivindicações do Partido Comunista na Alemanha.

 

2. Relação dos Burgueses e dos Proletários:

 

2.1. A história da sociedade como a história das lutas de classes; História dos modos de produção (forças de produção e relações de propriedade);

2.2. Desenvolvimento do modo de produção capitalista; burguesia, proletariado, estratos intermédios, lumpen-proletariado; a contínua pauperização do proletariado.

 

3. Relação do Partido Comunista com os Proletários

 

3.1. Objetivos fundamentais do Partido Comunista face às condições, ao curso e aos resultados gerais do movimento proletário: o fim da propriedade privada; a questão do trabalho, a cultura e os valores (justiça, liberdade, individualidade, educação, a família, as mulheres, a pátria): “As ideias dominantes de um tempo foram sempre apenas as ideias da classe dominante”.

3.2. Proposta de 10 medidas de transição para uma sociedade comunista;

3.3. Sociedade comunista: o livre desenvolvimento de cada um é a condição para o livre desenvolvimento de todos;

 

4. Relação dos Comunistas com Outras Tradições Socialistas

 

Socialismos reacionários (feudal, pequeno-burguês, alemão filosófico); Socialismos conservador ou burguês (Proudhon); Socialismo e comunismo crítico-utópicos (Saint-Simon, Fourier, Owen).

 

5. Relação do Partido Comunista com Outros Partidos Oposicionistas

 

5.1. Apoio a todos os movimentos revolucionários contra as situações sociais e políticas existentes;

5.2. Trabalho de “ligação e entendimento dos partidos democráticos de todos os países” (i.e., luta pela república, pelo sufrágio universal, e por outras reformas sociais em países que não haviam ainda realizado completamente as suas revoluções democrático-burguesas);

5.3. Independência crítica e pública do Partido Comunista a todos os outros Partidos Oposicionistas, quanto às suas perspetivas e objetivos. A questão fundamental: o fim da propriedade privada. A necessidade de uma revolução proletária: “o derrube violento de toda a ordem social vigente”.

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MANIFESTO DO PARTIDO COMUNISTA (1848)

 

Preâmbulo

 

Em 1847 sentia-se a iminência das revoluções democrático-burguesas que viriam a rebentar em diversos países da Europa no ano seguinte. No seu 2º Congresso, realizado, em Londres, entre 29 de novembro e 8 de dezembro de 1847, a Liga dos Comunistas decide confiar a Marx e a Engels a redação do documento programático da Liga. Este texto, publicado em fevereiro de 1848, apresenta-se como um manifesto para os comunistas de todo o mundo. Após o início da revolução na Alemanha, Marx e Engels escreveriam, em março de 1848, o primeiro programa para um partido comunista nacional: “Reivindicações do Partido Comunista da Alemanha”. A “Mensagem da Direção Central à Liga dos Comunistas”, escrita por Marx e Engels em Março de 1850, desenvolverá as principais lições que o movimento comunista internacional deverá retirar dessas experiências revolucionárias.

 

Capítulo 1

 

BURGUESES E PROLETÁRIOS

 

O primeiro capítulo do Manifesto de 1848 trata da relação entre burgueses e proletários no capitalismo. A História da sociedade (depois da dissolução das chamadas sociedades primitivas) é concebida em função das lutas de classes que se desenvolvem ao longo da evolução e sucessão das diferentes formações socioeconómicas e modos de produção. Classes sociais designam diferentes posições que grupos de pessoas ocupam num determinado regime de economia social e, por conseguinte, num determinado modo de produção, na divisão e organização social do trabalho e na sua relação face aos meios de produção. Por isso, a cada época histórica e seus modos de produção dominantes correspondem diferentes classes e ordens sociais: “Na Roma antiga temos patrícios, cavaleiros, plebeus, escravos; na Idade Média: senhores feudais, vassalos, burgueses de corporação, oficiais, servos”. Em suma, a história de toda a sociedade é uma luta incessante entre “opressores e oprimidos”, “ora oculta ora aberta, uma luta que de cada vez acabou por uma reconfiguração revolucionária de toda a sociedade ou pelo declínio comum das classes em luta”.

A classe do proletariado, muito embora comportando diferentes camadas, define-se pelo facto dos seus membros não possuírem meios próprios de produção e serem assim constrangidos a vender a sua força de trabalho para subsistirem. Por burguesia entende-se a classe dos capitalistas modernos, proprietários dos meios de produção social e empregadores de trabalho assalariado (cf. Nota de Engels à edição inglesa do Manifesto, em 1888).

Com o descobrimento e a colonização da América, a circum-navegação de África, o estabelecimento do mercado das Índias orientais e da China, e o intercâmbio com as colónias, o Capitalismo desenvolveu-se gradualmente até atingir a sua primeira fase de maturidade com a revolução industrial no século XIX. À ascensão da burguesia corresponde um processo de laicização das relações de produção e de exploração (lógica do puro dinheiro e lucro), a um desenvolvimento exponencial das forças produtivas, e à globalização do modo de produção capitalista – “a necessidade de um escoamento sempre mais extenso para os seus produtos persegue a burguesia por todo o globo terrestre”.

 

Capítulo 2

 

PROLETÁRIOS E COMUNISTAS

 

O segundo capítulo do Manifesto trata da relação entre os comunistas e os proletários em geral. O Proletariado é concebido com a única classe verdadeiramente revolucionária. Através da sua organização em classe e em partido político, os proletários só podem conquistar as forças produtivas sociais abolindo o seu modo privado de apropriação e, com ele, todo o modo de produção. Neste sentido, os comunistas “não são nenhum partido particular face aos outros partidos operários”, não “têm nenhuns interesses separados dos interesses do proletariado”, nem “estabelecem princípios particulares, segundo os quais queiram moldar o movimento proletário”. Por outras palavras, a “emancipação da classe operária tem de ser obra dos próprios trabalhadores” (escreveria Engels no prefácio à edição inglesa de 1888 do Manifesto). Os comunistas diferenciam-se dos demais partidos proletários (os Cartistas Ingleses ou os partidos da Reforma Agrária na América do Norte), apenas por acentuarem e fazerem valer os interesses comuns do proletariado como um todo, independentemente da nacionalidade, e por representarem sempre o interesse do movimento total nos diversos estádios de desenvolvimento da luta contra a burguesia. A luta dos comunistas visa, assim, o fim da apropriação privada dos meios de produção, porque só assim poderá ter fim a exploração da esmagadora maioria da população que só vive para “multiplicar o capital” (e assim fortalecer o próprio poder) da classe opressora.

Mas a luta pelo fim da exploração social e económica é também a luta pelo fim da dominação ideológica em nome de certos valores associados, por exemplo, à ideia de liberdade (no capitalismo só o comércio é livre, ao passo que o indivíduo ativo não é autónomo nem pessoal), à família ou ao casamento (relação de exploração privada das mulheres e dos filhos), ou ao patriotismo: “Aos comunistas tem sido censurado que querem abolir a pátria, a nacionalidade. Os operários não têm pátria. Não se lhes pode tirar o que não têm.” A história das ideias mostra que a produção dos valores se reconfigura à imagem da produção material da vida social: “As ideias dominantes de um tempo foram sempre apenas as ideias da classe dominante”.

 

Assim, “o primeiro passo da revolução proletária é a elevação do proletariado a classe dominante, a conquista da verdadeira democracia pela luta. O proletariado usará a sua dominação política para arrancar todo o capital à burguesia, para centralizar todos os instrumentos de produção na mão do Estado, i.e., do proletariado organizado como classe dominante”. Depois, assim que forem desaparecendo as diferenças de classes e concentrada toda a produção nas mãos dos indivíduos livres associados, o “poder público” perderá então o seu “poder político”, no sentido em que deixa de haver uma forma organizada de opressão sobre qualquer classe: “Para o lugar da velha sociedade burguesa com as suas classes e oposições de classes entra uma associação em que o livre desenvolvimento de cada um é a condição para o livre desenvolvimento de todos”.

 

Capítulo 3

 

LITERATURA SOCIALISTA E COMUNISTA

 

Marx recorta a sua teoria criticando os sistemas filosóficos, económicos e políticos existentes na altura. Esses sistemas começaram a tomar forma no dealbar da grande produção capitalista e correspondiam a uma classe operária ainda informe, orgânica e ideologicamente.

Existiam teorias que se denominavam socialistas que Marx considera como socialismo reacionário.

Não tendo ainda sido varridos os restos do feudalismo da Europa de então (por exemplo na Alemanha existia uma monarquia imperialista e estavam em curso várias revoluções burguesas) o socialismo feudal criticava a burguesia, não porque esta explorava os operários, mas porque esmagava os restos do feudalismo e as suas condições de vida sob esse modo de produção – a perspetiva de voltar ao passado em que prosperara. Criticava a burguesia especialmente por ter engendrado o proletariado.

O socialismo pequeno-burguês lutava contra burguesia, porque o capitalismo esmagava os pequenos produtores, não porque explorava os operários. Claro que tudo isto se passava debaixo de máscaras que pretendiam atrair o proletariado para a sua causa. É, pois uma perspetiva política e ideológica pequeno-burguesa.

É importante sublinhar aqui que Marx considerava o socialismo pequeno-burguês como o reflexo da aparição de uma classe situada entre a burguesia e o proletariado, a pequena-burguesia. Sob o regime da concorrência capitalista, esta classe é constantemente lançada para a falência, deixa de ser socialmente independente das outras classes e integra as fileiras do proletariado. Isto é completamente visível na situação portuguesa de hoje. É uma questão importante no sistema de alianças sociais do proletariado, em especial com o campesinato.

Dentro do socialismo reacionário, Marx inclui o socialismo alemão ou verdadeiro socialismo. É importante referir como o paralelismo que se pode estabelecer com certas grelhas de pensamento atuais. A Alemanha ainda não tinha feito a sua revolução burguesa, mas os socialistas alemães transpuseram para a realidade alemã a “teoria” francesa, decorrente a sua realidade. Como era evidente, a teoria francesa, onde se tinha dado a maior revolução burguesa até então, não cabia na realidade alemã em que a tarefa que se colocava era derrubar o poder monárquico-feudal. Aqui o socialismo alemão serviu para dois lados: à monarquia para combater a burguesia, e à pequena burguesia para combater a burguesia e o proletariado, cada vez mais numeroso e revolucionário.

Marx refere, depois, o que considera ser o socialismo conservador ou burguês, já não sob a classificação de socialismo reacionário. Esta variedade de socialismo é talvez a que mais se aproxima de ideias conhecidas no presente. Diz ele:

Uma parte da burguesia deseja remediar os males sociais para assegurar a estabilidade da sociedade burguesa. Nela se contam economistas, filantropos, humanitários, melhoradores da situação das classes trabalhadoras, organizadores de caridade, protetores dos animais, fundadores de ligas antialcoólicas, reformadores ocasionais dos mais variados”. Este socialismo não põe em causa a forma de produção do capitalismo, nem a exploração, nem a via revolucionária para passagem ao socialismo, única via possível.

Marx classifica a variedade do socialismo e comunismo crítico-utópico como conservador ou burguês. Mas é este socialismo que constitui uma fonte e uma parte integrante do socialismo científico. Os representantes deste socialismo criticavam de raiz a sociedade capitalista e a burguesia, mas não estavam em condições de ir mais além. Apresentavam soluções como a criação de falanstérios, etc., apelavam aos governos burgueses para que atendessem à situação da classe operária, mas não viam nisto a luta de classes nem a intervenção política. É no estudo de muitas das teses destes utopistas que o marxismo se funda.

Mas, o socialismo utópico não podia indicar uma saída real. Não sabia explicar a natureza da escravidão assalariada no capitalismo, nem descobrir as leis do seu desenvolvimento, nem encontrar a força social capaz de se tornar a criadora da nova sociedade. O génio de Marx está em ter sido o primeiro a ter sabido deduzir daí a conclusão implícita na história universal e em tê-la aplicado consequentemente. Tal conclusão é a doutrina da luta de classes.

O Manifesto começa a luta ideológica pela conquista da consciência da classe operária contra os outros sistemas ideológicos e com ela a prática revolucionária de classe apontando o caminho da sua emancipação.

 

Capítulo 4

POSIÇÃO DOS COMUNISTAS PERANTE OS VÁRIOS PARTIDOS DA OPOSIÇÃO

Os comunistas lutam pela realização dos objetivos e interesses imediatos da classe operária, mas representam, no movimento presente, também o futuro do movimento. Isto é muito importante porque orienta a conduta do partido revolucionário de classe: o comportamento tático e estratégico. Em nenhum momento, os comunistas deixam de explicar o antagonismo de classes.

Elenca os partidos que apoiam nos países europeus. Apoiam os movimentos revolucionários que lutam contra as condições sociais e políticas existentes e, em todos eles, acentuam que a questão da propriedade é a basilar. No caso da Alemanha, pela revolução burguesa contra o feudalismo monárquico. Mas, derrotado este, o proletariado tem de prosseguir imediatamente pelo derrube da burguesia. (ex. revolução de fevereiro na Rússia).

E termina com a célebre frase: «Os comunistas recusam-se a esconder os seus pontos de vista e os seus propósitos. Declaram abertamente que os seus objetivos só serão alcançados pela liquidação violenta de toda a ordem social até aqui existente. Que as classes dominantes tremam face a uma revolução comunista. Os proletários nada têm a perder com ela a não ser as suas cadeias. E têm um mundo a ganhar».

PROLETÁRIOS DE TODOS OS PAÍSES, UNI-VOS!

 

Realizado em 12 de maio de 2018