No passado dia 13 de setembro, realizámos mais uma iniciativa, na Casa do Alentejo, com a leitura e debate da obra “Trabalho Assalariado e Capital”, de Marx, seguida de um lanche-convívio e da apresentação do sítio da ISKRA na internet: iskra-associacao.pt. A iniciativa contou com mais de 20 presenças e com uma dezena de intervenções.
Leitura/curso: Trabalho Assalariado e Capital (Marx, 1849)
1. Da autoria de Marx, publicado pela primeira vez em Abril de 1849.
2. Apareceu sob a forma de vários artigos (Nova Gazeta da Renânia) que por sua vez estavam baseados nas conferências que Marx proferiu na Associação dos Operários Alemães de Bruxelas fundada por Marx e Engels (1984).
3. Trabalho incompleto devido à suspensão do jornal (guerra na Hungria, revoltas em Dresden, etc.).
4. Com a publicação da obra Para a Crítica da Economia Política, em 1859, algumas expressões usadas nesta obra ficaram menos precisas. Por isso discutiremos aqui a obra, MAS de acordo com as adaptações teóricas do próprio Marx feitas por Engels (1981).
Principais ideias desta obra
1. O rendimento do trabalho humano tem aumentado e isso cria um conflito na economia capitalista, que se baseia em: i) imensas riquezas e um excedente de produtos que os compradores não conseguem comprar, e ii) uma gigantesca massa proletarizada da sociedade (operários assalariados que não se podem apropriar destes excedentes).
2. Esta cisão da sociedade numa pequena classe escandalosamente rica e numa classe grande de operários assalariados não proprietários faz com que essa sociedade se asfixie no próprio excedente (enquanto a maioria dos seus membros não está protegida da fome e da miséria).
3. Só no comunismo é que vão desaparecer as diferenças de classe, através de uma utilização e crescimento planificados.
4. Este livro procura avançar na caracterização das relações económicas que se estabelecem entre a existência da burguesia e o seu domínio de classe, como na escravidão dos operários.
5. O livro está dividido em 3 partes:
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relação do trabalho assalariado com o capital, ou a escravidão do operário e o domínio capitalista;
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o declínio das classes médias burguesas e do Estado burguês e
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a subjugação e exploração comercial das classes burguesas das várias nações europeias pela Inglaterra (o livro é de 1849).
O QUE É O SALÁRIO?
1. Para a maioria dos operários, o salário é visto como a soma em dinheiro que o capitalista paga por um determinado tempo do trabalho (ou prestação de um determinado trabalho). Ou seja, o capitalista compra trabalho com dinheiro sendo que os operários vendem o seu trabalho a troco de dinheiro.
2. Mas isto está errado. Na verdade, os operários vendem ao capitalista a sua FORÇA de trabalho em troca de dinheiro. O capitalista compra essa força de trabalho à peça, à tarefa, à jorna, à semana, ao mês, etc. O operário NÃO vende o seu trabalho. Ele ALUGA OU VENDE a sua força de trabalho.
3. Portanto os operários trocam a sua mercadoria –a força de trabalho – pela mercadoria do capitalista, o dinheiro. Essa troca tem lugar numa determinada proporção: X dinheiro por X horas de utilização da força de trabalho. Por exemplo: 15 euros por trabalhar 8 horas ao tear. Esses 15 euros representam tudo aquilo que o operário pode comprar com essa quantia de euros (ovos, açúcar, farinha, etc. numa determinada proporção) em troca do seu dia de trabalho. Portanto, os 15 euros exprimem a proporção em que a força de trabalho é trocada por outras mercadorias, o valor da troca da força de trabalho. O valor da troca de uma mercadoria, avaliado em dinheiro, chama-se preço.
4. Portanto, o salário é apenas um nome específico que é dado ao preço da força de trabalho e a que se costuma chamar preço do trabalho.
5. Enquanto mercadoria que é, a força de trabalho mede-se em tempo e os produtos referidos (ovos, farinha, açúcar) medem-se com uma balança.
6. Exemplo: Um operário que tece panos. O capitalista dá-lhe o tear e o fio e o operário produz um pano. O capitalista apodera-se do pano e vende-o por 10 euros. Ora o salário do tecelão NÃO é uma quota-parte do pano. O tecelão recebeu o salário muito antes de o pano ser vendido e talvez muito antes de o ter acabado de tecer. Tal significa que o capitalista NÃO paga o salário com o dinheiro que vai receber pelo pano, mas com dinheiro que já tinha de reserva. Assim como o tear e o fio não são produto do tecelão, os quais foram fornecidos pelo capitalista, tão-pouco o são as mercadorias que o operário recebe em troca da sua mercadoria, a força de trabalho.
– Poder-se-á dar o caso do capitalista não vender o pano, de nem reembolsar com a venda o salário que pagou, da venda do pano se realizar em condições muito vantajosas face ao salário do tecelão etc. MAS NADA disto diz respeito ao tecelão. O capitalista compra, com uma parte da fortuna que tem, do seu capital, a força de trabalho do tecelão exatamente como comprou com outra parte da sua fortuna as matérias-primas (o fio e o tear).
– Depois de fazer estas compras, e entre as várias coisas compradas está a força de trabalho que é necessária para produzir o pano. O capitalista produz com matérias-primas e instrumentos de trabalho que lhe pertencem (tal como lhe pertence a força de trabalho do tecelão).
– Em muitos casos a força de trabalho humana não produz num só dia um valor maior do que ela própria possui e custa: com cada nova descoberta científica ou invenção técnica, este excedente do seu produto diário sobe acima dos seus custos diários (e portanto reduz-se aquela parte do dia de trabalho que o operário retira do seu trabalho o equivalente ao seu salário diário, alongando-se aquela parte do dia de trabalho em que ele tem que oferecer o seu trabalho ao capitalista e sem ter que ser pago por isso).
– O operário, em 8 horas de trabalho acrescenta às matérias primas que utiliza um novo valor que o capitalista realiza vendendo o produto/peça pronta (ex. 30 euros). Deste valor o capitalista apenas paga uma parte ao operário (5 euros) e guarda para si o restante (25 euros). Se o operário cria um valor de 30 euros em 8 horas, em 4 horas criará um valor de 15. Portanto ele já reembolsou o capitalista com o valor de 10 euros contidos no seu salário depois de trabalhar 4 horas para ele. No mundo capitalista a força do trabalho é uma mercadoria como outra qualquer, mas esta tem a propriedade especial de ser uma força criadora de valor, uma fonte de valor, uma fonte de mais valor do que ela própria possui.
– Só a classe trabalhadora produz todos os valores. O valor é apenas uma outra expressão para trabalho (quantidade de trabalho socialmente necessário incorporada a uma determinada mercadoria).
– Os valores produzidos pelos operários não lhes pertencem. Pertencem sim aos proprietários das matérias primas, máquinas e ferramentas e aos proprietários dos meios financeiros que permitem a estes proprietários comprar a força de trabalho da classe operária. A classe operária só recebe uma parte da massa de produtos criados por ela mesma.
7. Resumindo, o salário NÃO é uma quota-parte do operário na mercadoria por ele produzida. O salário é parte da mercadoria já existente, com que o capitalista compra para si uma determinada quantidade de força de trabalho produtiva.
8. A força de trabalho é uma mercadoria que o operário assalariado vende ao capital e tem de o fazer para viver. O trabalho é a própria atividade vital do operário e que ele vende a terceiros para assegurar os seus meios de vida. Ou seja, a atividade vital é um meio para poder existir. Trabalha para viver.
9. Para o operário, quando terminam as suas 8 horas de trabalho é que começa a sua vida. As 8 horas de trabalho representam unicamente o meio de ganhar o dinheiro que lhe permitirá viver (ou sobreviver). O operário trabalha para manter a sua condição.
10. A força de trabalho nem sempre foi uma mercadoria e o trabalho nem sempre foi assalariado. O escravo não vendia a sua força de trabalho ao proprietário dos escravos. O escravo é vendido com a sua força de trabalho. É uma mercadoria que pode passar para as mãos de outros e a sua força de trabalho NÃO é uma mercadoria sua, mas do seu proprietário. Por sua vez o servo só vende uma parte da sua força de trabalho: não é ele quem recebe um salário do proprietário da terra (este é que recebe dele um tributo). O operário não pertence a um proprietário nem à terra, mas X horas da sua vida diária pertencem a quem as compra.
11. O operário só tem como fonte de rendimento a venda da sua força de trabalho. O operário não pertence a este ou àquele capitalista, mas à classe dos capitalistas (sendo que lhe compete encontrar, dentro dessa classe, quem queira comprar a sua força de trabalho).
12. Portanto o salário é o preço de uma determinada mercadoria, a força de trabalho, e é determinado pelas mesmas leis que determinam o preço de qualquer outra mercadoria. E como se determina o preço de uma mercadoria?
O QUE É QUE DETERMINA O PREÇO DE UMA MERCADORIA?
1. É a concorrência entre compradores e vendedores, a relação da procura com a oferta. A concorrência, que determina o preço da mercadoria, apresenta 3 aspetos:
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A mesma mercadoria é oferecida por vários vendedores (aquele que vender mercadorias de qualidade igual a preço mais barato está seguro de vencer os restantes vendedores e de assegurar para si a maior venda). Por isso os vendedores disputam entre si a venda, o mercado. Cada um quer vender o mais que puder, e se possível ser só ele a vender. Assim, uns vendem mais barato do que outros. Isso é a concorrência entre vendedores, que faz baixar o preço das mercadorias oferecidas pelos mesmos;
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Mas há a concorrência entre compradores que por seu lado faz subir o preço das mercadorias oferecidas;
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Há também a concorrência entre compradores e vendedores, sendo que uns querem comprar o mais barato possível e os outros querem vender o mais caro que podem.
2. O resultado desta concorrência entre compradores e vendedores vai depender da relação existente entre ambos os lados da concorrência, ou seja, depende da concorrência ser mais forte no exército dos compradores o no exército dos vendedores.
– Exemplo: no mercado existem 100 fardos de algodão e há compradores para 1000 fardos. Isto significa que a procura é 10 vezes superior à oferta. Assim, a concorrência entre compradores será muito forte (todos querem apanhar um fardo e se possível, até os 100 fardos). Na história do comércio vivemos períodos de má colheita de algodão e nessas alturas alguns capitalistas, aliados entre si, tentavam comprar todas as reservas de algodão existentes. Cada comprador tenta vencer o outro oferecendo um preço mais elevado por cada fardo de algodão. E assim os vendedores de algodão veem os compradores a lutar entre si e sabem que vão vender toda a colheita (os 100 fardos) e não têm de competir uns com os outros baixando os preços dos fardos. Nestes contextos há uma paz entre vendedores, sendo que podem fazer mais exigências, mas sempre dentro dos limites das próprias ofertas dos compradores mais insistentes.
Assim, quando a oferta de uma mercadoria é inferior à procura da mesma, a concorrência entre vendedores reduz-se ao mínimo ou é nula. Por sua vez, quando a oferta da mercadoria é superior à procura da mesma passa a haver concorrência, mas é entre os compradores.
3. Então o preço é determinado pela relação entre a oferta e a procura. E o que determina a relação entre a procura e a oferta? Um burguês dirá que se a produção de mercadoria que vende lhe custou 1000 euros, e se ele faz 1100 com a venda dessa mercadoria durante um ano – esse lucro é um lucro honesto e decente. Mas se fizer 1300 ou 1400, é um lucro elevado. Se fizer 2000, é extraordinário. O que lhe serve como medida de lucro? Os custos de produção da sua mercadoria.
Se nesta troca ele recebe uma quantidade de outras mercadorias cuja produção custou menos, ele perde. Se recebe mercadorias cuja produção custou mais, ele diz que ganha. E a baixa e alta de lucro, calcula-as de acordo com o grau em que se encontra o valor de troca da sua mercadoria (custos de produção).
4. Quando falamos de força de trabalho, esta é inseparável do indivíduo pelo que OS CUSTOS DE PRODUÇÃO COINCIDEM COM OS CUSTOS DE PRODUÇÃO (do operário), DA FORÇA DE TRABALHO. Há uma diferença entre custos de produção da força de trabalho e valor da força de trabalho. Tal é importante para determinar a quantidade de trabalho socialmente necessário que é requerido para a produção de uma força de trabalho de determinada qualidade.
5. Portanto, a relação variável de procura e oferta provoca alta ou baixa de preços. Se o preço de uma mercadoria sobe muito porque há pouca oferta/fornecimento ou se a procura cresce desproporcionadamente, então o preço de uma mercadoria exprime em dinheiro a proporção em que outras mercadorias são entregues em troca dela: se o preço de um fardo de algodão sobre de 20 para 30 euros, então o preço do linho cai em relação ao algodão e do mesmo modo cai o preço de todas as outras mercadorias que permaneceram no seu preço antigo em relação ao algodão. E qual a consequência do aumento do preço desta mercadoria (algodão)? Uma massa de capitais vai imigrar para toda a indústria que usa o algodão e tal vai verificar-se até que o preço dos produtos feitos com algodão desça abaixo dos custos de produção. E vice-versa: se o preço de uma mercadoria desce abaixo dos seus custos de produção, então os capitais retrair-se-ão da produção dessa mercadoria. A produção da mercadoria diminuirá devido a esta fuga de capitais até que corresponda à procura, ou seja, que a oferta desça abaixo da procura (quando o preço sobe novamente acima dos seus custos de produção, pois o preço corrente duma mercadoria está sempre acima ou abaixo dos seus custos de produção).
6. Os capitais imigram continuamente de uma área da indústria para a outra e o preço elevado provoca uma imigração demasiado forte e o preço baixo uma emigração demasiado forte estas oscilações da oferta e da procura reconduzem sempre o preço de uma mercadoria aos seus custos de produção (o preço real duma mercadoria está sempre acima ou abaixo dos custos de produção mas a alta e baixa dos preços complementam-se mutuamente).
7. Esta determinação dos preços pelos custos de produção não deve ser entendida no sentido dos economistas pois estes dizem que o preço médio das mercadorias é igual aos custos de produção…que isto é a lei.
8. Os economistas consideram como obra do acaso o movimento anárquico em que a alta é compensada pela baixa e vice-versa. Mas estas oscilações trazem consigo as mais terríveis devastações, fazem tremer a sociedade burguesa nos seus alicerces. Só estas oscilações é que no seu curso determinam o preço pelos custos de produção.
9. Portanto, o preço de uma mercadoria é determinado pelos seus custos de produção (de tal forma que os tempos em que o preço dessa mercadoria sobe acima desses custos são compensados pelos tempos em que ele desce abaixo dos custos de produção e inversamente).
10. A determinação do preço pelos custos de produção é igual à determinação do preço pelo tempo de trabalho exigido para a produção duma mercadoria.
O SALÁRIO É DETERMINADO POR QUE FATORES?
As mesmas leis gerais que regulam o preço das mercadorias em geral, regulam naturalmente também o salário. O salário é o preço do trabalho.
Os salários sofrem oscilações, tal como o preço de qualquer mercadoria, em função da oferta e da procura, da concorrência entre os compradores e os vendedores da força de trabalho – os capitalistas e os operários. Mas, dentro dessas oscilações, o preço do trabalho será determinado pelos custos de produção, isto é, pelo tempo de trabalho exigido para produzir a mercadoria força de trabalho.
Ora, quais são os custos de produção da força de trabalho?
São os custos que são exigidos para manter o operário como operário e para fazer dele um operário. Estes custos são determinados pelo preço dos meios de existência necessários.
(Quanto menos tempo de formação um trabalho exige, menores serão os custos de produção do operário, mais baixo será o preço do seu trabalho, o seu salário. Nos ramos da indústria em que quase não se exige tempo de aprendizagem e a mera existência física do operário basta, os custos exigidos para a produção desse reduzem-se quase só às mercadorias exigidas para o manter vivo em condições de trabalhar.)
Nos custos de produção da força de trabalho simples têm de ser incluídos os custos de reprodução pelos quais a raça operária é posta em condições de se multiplicar e de substituir por novos os operários deteriorados. O desgaste do operário é tomado em conta do mesmo modo que o desgaste da máquina.
Os custos de produção da força de trabalho simples cifram-se nos custos de existência e de reprodução do operário. O preço destes custos de existência e de reprodução constitui salário. O salário assim determinado chama-se o mínimo do salário.
Este mínimo do salário vale, não para o indivíduo isolado, mas para a espécie, tal como a determinação do preço das mercadorias em geral pelos custos de produção.
CAPITAL E RELAÇÕES DE PRODUÇÃO
O capital consiste de matérias-primas, instrumentos de trabalho e meios de subsistência de toda a espécie que são empregues para produzir novas matérias-primas, novos instrumentos de trabalho e novos meios de subsistência. Todas estas suas partes constitutivas são criações do trabalho, produtos do trabalho, trabalho acumulado. Trabalho acumulado que serve de meio para nova produção é capital.
Na produção material, os homens entram em relação com a natureza e uns com os outros. As relações sociais em que os indivíduos produzem transformam-se com a alteração e desenvolvimento dos meios materiais de produção, as forças de produção. As relações de produção na sua totalidade formam aquilo a que se dá o nome de relações sociais, a sociedade, e na verdade uma sociedade num estádio determinado, histórico, de desenvolvimento, uma sociedade com carácter específico, diferenciado. A sociedade antiga, a sociedade feudal, a sociedade burguesa são outras tantas totalidades de relações de produção, cada uma das quais designa ao mesmo tempo um estádio particular de desenvolvimento na história da humanidade (um modo de produção).
Também o capital é uma relação social de produção, uma relação de produção da sociedade burguesa.
O capital consiste em meios de subsistência, instrumentos de trabalho e matérias-primas, produtos materiais, mas também em valores de troca. Todos os produtos em que consiste são mercadorias. O capital não é só uma soma de produtos materiais, é uma soma de mercadorias, de valores de troca, de grandezas sociais.
Uma mercadoria troca-se por outra mercadoria desde que tenha o mesmo valor de troca, independentemente de ser algodão ou açúcar. O corpo do capital pode transformar-se continuamente sem que o capital sofra a mais pequena alteração.
Todo o capital é uma soma de mercadorias, isto é, de valores de troca, mas nem toda a soma de mercadorias, de valores de troca é ainda capital. Como é que uma soma de mercadorias, de valores de troca, se torna capital?
Pelo facto de, como poder social autónomo, isto é, como o poder de uma parte da sociedade se manter e aumentar por meio da troca com a força de trabalho viva, imediata. A existência de uma classe que nada possui senão a capacidade de trabalho é uma condição prévia necessária do capital. Quando o trabalho objetivado, passado, acumulado (existente nas matérias-primas, nos instrumentos de produção, máquinas, etc.), domina sobre o trabalho vivo, imediato, é que o trabalho acumulado se converte em capital.
O capital não consiste no facto de o trabalho acumulado servir ao trabalho vivo como meio para nova produção. Consiste no facto de o trabalho vivo servir ao trabalho acumulado como meio para manter e aumentar o seu valor de troca.
QUE SE PASSA NA TROCA ENTRE CAPITALISTA E OPERÁRIO ASSALARIADO?
O operário recebe meios de subsistência em troca da sua força de trabalho e o capitalista recebe trabalho, a atividade produtiva do operário, a força criadora por meio da qual o operário substitui o que consome e dá ao trabalho acumulado um valor superior ao que anteriormente possuía.
O salário recebido pelo operário trocado por meios de subsistência é consumido de um modo duplo: reprodutivamente para o capital, pois foram trocados por uma força de trabalho que deu origem a um valor maior, e improdutivamente para o operário, pois foram trocados por meios de subsistência que desapareceram para sempre (foram consumidos) e cujo valor ele só pode obter de novo repetindo a mesma troca com o capitalista.
O capital pressupõe, portanto, o trabalho assalariado, o trabalho assalariado pressupõe o capital. Eles condicionam-se reciprocamente; eles dão-se origem reciprocamente.
Um operário numa fábrica de algodão não produz só tecidos de algodão, produz também capital, isto é, valores que de novo servem para comandar o seu trabalho e, por meio deste, para criar novos valores.
O capital só se pode multiplicar trocando-se por força de trabalho. A força de trabalho do operário assalariado só se pode trocar por capital multiplicando o capital, fortalecendo o poder de que é escrava. A multiplicação do capital implica a multiplicação do proletariado, isto é, da classe operária. O operário soçobra se o capital não o emprega. O capital soçobra se não explora a força de trabalho. Quanto mais depressa se multiplicar o capital destinado à produção quanto mais florescente é a indústria, quanto melhor vão os negócios, de tanto mais operários precisa o capitalista, tanto mais caro se vende o operário.
Mas afirmar-se que o interesse do capitalista e o do operário é o mesmo significa apenas: capital e trabalho assalariado são duas facetas duma mesma relação, uma condiciona a outra. Enquanto o operário assalariado é operário assalariado, a sua sorte depende do capital. É esta a tão enaltecida comunhão de interesses do operário e do capitalista.
SALÁRIO NOMINAL E SALÁRIO REAL
Quando o capital produtivo cresce, cresce a procura do trabalho. Sobe, portanto, o preço do trabalho, o salário.
O salário, aquilo que os operários recebem primeiro pela sua força de trabalho, uma determinada soma em dinheiro, é o salário nominal.
O salário não é só determinado pela massa de mercadorias que por ele se pode trocar. Ele contém várias outras relações.
O preço em dinheiro do trabalho, o salário nominal, não coincide com o salário real, isto é, com a soma de mercadorias que é realmente dada em troca do salário. O mesmo salário (nominal) pode comprar maior ou menor quantidade de mercadorias conforme o preço destas varie. Por exemplo, se a inflação aumentar e o salário se mantiver a quantidade de mercadorias é menor. O preço em dinheiro do trabalho pode continuar o mesmo, mas o salário baixa, pois em troca da mesma quantidade de dinheiro recebem uma soma menor de outras mercadorias.
Admitamos que o preço em dinheiro do trabalho permanecia o mesmo, ao passo que todas as mercadorias da agricultura e da manufatura teriam baixado de preço em consequência da aplicação de novas máquinas, duma estação favorável, etc. Pelo mesmo dinheiro podem agora os operários comprar mais mercadorias de toda a espécie. O seu salário, portanto, subiu, precisamente porque o valor em dinheiro do mesmo não se alterou.
Ao falarmos da subida ou descida do salário não temos de considerar apenas o preço em dinheiro do trabalho.
O SALÁRIO RELATIVO
O salário é sobretudo determinado ainda pela sua relação com o ganho, com o lucro do capitalista – salário comparativo, relativo.
O salário real exprime o preço do trabalho em relação com o preço das restantes mercadorias, o salário relativo, pelo contrário exprime a quota-parte do trabalho direto no valor por ele criado de novo em relação com a quota-parte dele que cabe ao trabalho acumulado, ao capital.
O salário não é uma quota-parte do operário na mercadoria por ele produzida. O salário é a parte de mercadoria já existente com que o capitalista compra para si uma determinada quantidade de força de trabalho produtiva. Mas este salário tem o capitalista de o substituir novamente com parte do preço a que vendeu o produto criado pelo operário; tem de substituí-lo de modo que, ao fazê-lo, lhe reste ainda em regra um excedente sobre os custos de produção despendidos, um lucro.
O preço de venda da mercadoria criada pelo operário divide-se, para o capitalista, em três partes: 1) a reposição do preço das matérias-primas por ele adiantadas, a par da reposição do que se desgastou nas ferramentas, máquinas e outros meios de trabalho igualmente adiantados por ele; 2) na reposição do salário adiantado por ele, e 3) no excedente sobre isso, o lucro do capitalista. Ao passo que a primeira parte apenas repõe valores anteriormente existentes, tanto a reposição do salário como o lucro do capitalista no excedente são, no seu todo, retirados do novo valor criado pelo trabalho do operário e acrescentado às matérias-primas.
Podemos tomar o salário e o lucro, para os compararmos um com o outro, como quotas-partes no produto do operário.
Qual é a lei geral que determina a queda e a subida do salário e do lucro na sua relação recíproca? Estão na razão inversa um do outro. A quota-parte do capital, o lucro, sobe na mesma proporção em que a quota-parte do trabalho, a jorna, desce e inversamente. O lucro sobe na medida em que o salário desce, e desce na medida em que o salário sobe.
Se, por exemplo, o salário subir 5% num bom período de negócios, e o lucro, pelo contrário, subir 30%, então o salário comparativo, o salário relativo não aumentou, mas diminuiu.
Se o capitalista aumenta os seus lucros porque alargou os mercados, introduziu melhorias na produção, etc., e nessa medida o seu lucro subiu (o salário, o preço da força de trabalho, mantém-se o mesmo), o salário desce em comparação com o lucro do capitalista. Ou seja, o trabalho é pago mais baixo em relação com a receita líquida que rendeu ao capitalista.
Mesmo quando o capital cresce rapidamente, a situação mais favorável para a classe operária, por muito que melhore a vida material do operário, não suprime a oposição entre os seus interesses e os interesses do capitalista. Lucro e salário continuam na razão inversa um do outro. A situação material do operário melhora, mas à custa da sua situação social. O abismo social que o separa do capitalista alargou-se, aumentou o poder do capital sobre o trabalho, a dependência do trabalho relativamente ao capital.
A repartição da riqueza social entre capital e trabalho tornou-se ainda mais desigual.
Vemos, portanto, que mesmo quando ficamos no seio da relação de capital e trabalho assalariado, os interesses do capital e os interesses do trabalho assalariado estão diretamente contrapostos.
LEI DO EQUILÍBRIO DOS PREÇOS COM OS CUSTOS DE PRODUÇÃO
Se o capital produtivo da sociedade burguesa cresce no seu todo, então ocorre uma acumulação mais ampla de trabalho. Os capitais aumentam em número e volume. Aumenta a concorrência entre os capitalistas. O volume crescente dos capitais fornece os meios para levar para o campo de batalha industrial exércitos mais poderosos de operários com ferramentas de guerra mais gigantescas.
Um capitalista só pode pôr outro em debandada e conquistar-lhe o capital vendendo mais barato. Para poder vender mais barato tem de aumentar a força de produção do trabalho, a qual é sobretudo aumentada por meio duma maior divisão do trabalho, por meio duma introdução generalizada e dum aperfeiçoamento constante da maquinaria. Diminuem proporcionalmente os custos de produção, tanto mais frutuoso se torna o trabalho. Nasce daqui uma competição generalizada entre os capitalistas para aumentarem a divisão do trabalho e a maquinaria.
Ora, se um capitalista achou o meio para criar, com a mesma soma de trabalho ou de trabalho acumulado, uma soma maior de produtos do que os seus concorrentes vai vendê-los mais barato para arruinar a concorrência, o que implica para si a necessidade de vender em maior quantidade. a conquistar um mercado muito maior.
Ele atinge o objetivo que quer atingir se fixar o preço da sua mercadoria alguns por cento abaixo do dos seus concorrentes. Põe-nos em debandada, rouba-lhes pelo menos uma parte do mercado, vendendo mais barato (o preço corrente está sempre acima ou abaixo dos custos de produção, consoante o preço de mercado está abaixo ou acima dos custos de produção da mercadoria até aí usuais, variando as percentagens a que o capitalista que empregou meios de produção novos e mais frutuosos vende acima dos seus custos de produção reais).
Entretanto, outros capitalistas concorrentes introduzem as mesmas máquinas, a mesma divisão do trabalho, até que o preço é feito descer não só abaixo dos seus velhos custos de produção, mas abaixo dos novos. Os capitalistas encontram-se, portanto, na mesma situação entre si em que se encontravam antes da introdução dos novos meios de produção, e se com estes meios podem fornecer o dobro do produto ao mesmo preço, agora são obrigados a fornecer o dobro do produto abaixo do preço velho. Ao nível destes novos custos de produção começa outra vez o mesmo jogo.
Vemos como o modo de produção, os meios de produção, são assim continuamente transformados, revolucionados, como a divisão do trabalho traz necessariamente consigo uma maior divisão do trabalho, a aplicação de maquinaria uma maior aplicação de maquinaria, um trabalhar em maior escala.
É esta a lei que faz a produção burguesa intensificar as forças de produção do trabalho porque as intensificou, é esta lei que necessariamente equilibra o preço duma mercadoria com os seus custos de produção.
Quaisquer que sejam os meios de produção poderosos que um capitalista põe em campo, a concorrência generalizará esses meios de produção, e a partir do momento em que aquela os generalizou o único êxito da maior frutificação do seu capital é o ter de fornecer ao mesmo preço dez, vinte, cem vezes mais do que anteriormente. Mas como ele tem de vender talvez mil vezes mais para compensar, pela massa maior do produto vendido, o preço de venda mais baixo, porque agora é necessária uma venda mais maciça não só para ganhar mais mas para repor os custos de produção – o próprio instrumento de produção, como vimos, torna-se cada vez mais caro –, porque esta venda maciça, porém, não se tornou uma questão vital apenas para ele, mas também para os seus rivais.
A velha luta começa com tanta maior violência quanto mais frutuosos são os meios de produção já inventados. A divisão do trabalho e a aplicação da maquinaria voltarão a processar-se numa medida incomparavelmente maior. A mercadoria torna-se mais barata, são fornecidas massas cada vez maiores de produto e este processo torna-se uma lei imperativa.
Imaginemos agora esta agitação febril ao mesmo tempo em todo o mercado mundial, e compreende-se como o crescimento, a acumulação e concentração do capital têm por consequência uma divisão do trabalho, uma aplicação de nova e um aperfeiçoamento de velha maquinaria ininterruptos que se precipitam uns sobre os outros e executados a uma escala cada vez mais gigantesca.
COMO ATUAM ESTAS CIRCUNSTÂNCIAS INSEPARÁVEIS DO CRESCIMENTO DO CAPITAL PRODUTIVO NA DETERMINAÇÃO DO SALÁRIO
A divisão do trabalho simplifica-o, não gasta muito tempo de aprendizagem, é uma força produtiva simples, logo, o custo de produção do operário diminui. Um operário faz o trabalho de 10 ou 20, concorre com os restantes operários. Concorre consigo mesmo porque intensifica os ritmos de trabalho, quer produzir mais no mesmo tempo para não baixar o salário. Concorre consigo mesmo enquanto membro da classe operária.
A maquinaria produz os mesmos efeitos em maior escala, origina despedimentos em massa. Contudo, a classe inteira dos operários assalariados não pode ser aniquilada pela maquinaria porque o capital sem trabalho assalariado deixa de ser capital. A mesma divisão e simplificação do trabalho ocorrem com os operários produtores de máquinas.
QUANTO MAIS O OPERÁRIO TRABALHA, MENOS RECEBE.
Quanto mais cresce o capital produtivo, tanto mais se expandem a divisão do trabalho e o emprego da maquinaria. Quanto mais se expandem a divisão do trabalho e o emprego da maquinaria, tanto mais se expande a concorrência entre os operários, tanto mais se contrai o seu salário. Além disso, aumenta a proletarização à custa dos pequenos industriais arruinados pela concorrência.
Na medida em que os capitalistas são obrigados a explorar em maior escala meios de produção gigantescos já existentes, aumentam os terramotos industriais, as crises. Elas tornam-se mais frequentes e mais violentas na medida em que cresce a necessidade de mercados mais extensos que rapidamente se vão saturando. O capital cresce e com ele a concorrência entre os operários, isto é, tanto mais diminuem, proporcionalmente, os meios de ocupação, os meios de subsistência, para a classe operária, e, não obstante, o rápido crescimento do capital é a condição mais favorável para o trabalho assalariado.
● Realizado em 13 de setembro de 2019