
As ZUS (Zonas Urbanas Sensíveis) existem em todos os mapas de Lisboa e seus arredores, mas todos aqui refere-se apenas aos mapas das forças policiais.
Dentro das ZUS, zonas sobretudo racializadas fora da cidade de Lisboa, a lei portuguesa é outra: não há polícia de proximidade e há sim polícia não identificada, com passa montanhas e com shotguns prontas a disparar. Entram na casa das pessoas seja a que hora for arrombado portas e sem nenhuma ordem judicial. Têm poder para mandar fechar e abrir bairros. Têm poder para ver chegar um autocarro a uma zona ZUS e mandá-lo parar, fazer sair um a um os passageiros que são obrigados a encostarem-se às paredes e muros para a habitual revista.
Mulheres que saem das suas casas às 4 e 5 da manhã para irem limpar os escritórios dos brancos e que a meio do dia ainda vão limpar as casas de outros brancos, chegando a casa tarde, pela noite dentro, deixando os filhos com a assistência que é possível. Os homens trabalham nas obras, como se só ali pudessem trabalhar. Na altura da Covid 19 era vê-los a sair de casa para trabalhar. A classe trabalhadora que anda nos poucos transportes que existem a estas horas da manhã ou da noite é a racializada. E apesar do seu enorme esforço de trabalho, têm medo de andar nos seus próprios bairros… não vá chegar a polícia das ZUS para os perseguir e matar como foi recentemente o caso de Odair, e sejamos honestos, de muitos e muitos durante dezenas de anos.
As forças policiais estão profundamente instrumentalizadas pela direita e pela extrema direita que competem uma com a outra. Enquanto isso os habitantes das ZUS vivem numa espécie de regime de apartheid. Podem querer sair do seu bairro mas lá está a polícia não identificada que resolveu fechar o bairro. Ou só entram quando a polícia não proíbe. Parece que os colonialistas transpuseram o sistema de apartheid para as comunidades racializadas – onde muitos já são portugueses e são vistos como inferiores simplesmente por causa da cor da pele.
Pelos vistos, o ensino da polícia ainda não chegou às questões das adaptações locais, da produção de melanina e dos raios UV. E o mesmo se passa nas escolas normais, onde crianças aprendem a ser racistas. Mesmo depois do 25 de Abril de 1974, o país continuou estruturalmente racista: é ler os atuais livros de História, é uma História contada pelos brancos que chamam aos então escravos de outro tempo, “recursos”. É ler alguns dos livros do 9º ano onde se elogia Salazar…..e onde professores do tempo da outra senhora, sem vergonha na cara nem no resto, não têm nenhum pudor em elogiar fascistas (ex: Salazar, Mussolini ou Franco) no meio da sala de aula.
Nem o racismo acabou nem o colonialismo acabou.
Estão ambos bem vivos através do que observamos pela Europa fora (Portugal incluído) e através do que vemos em próprio terreno africano ou sul-americano com o contínuo extrativismo que destrói os ecossistemas que dão suporte à vida na terra e deixando as populações na miséria absoluta. Crianças que nascem vítimas das águas usadas para lavar cobalto, lítio, níquel ou ouro com o mercúrio. E aí estão as grandes corporações internacionais com a participação da Alemanha, da França, da China, dos EUA (sobretudo do “Norte Global”1), a ver quem mais extrai recursos. Crianças que são escravas em minas de lítio, cobalto para que os europeus e outros possam andar nos seus carros elétricos dizendo que são bons para o ambiente. Resta perguntar: para o ambiente de quem? Fala-se de uma tal revolução energética que é puro greenwashing destruindo as terras onde habitam e de que dependem milhões de pessoas.
O que vimos no antigo bairro da Jamaica, o que vimos na Kova, em muitos outros bairros racializados ou na rua do Benformoso é uma tentativa de transformar a opinião publicada (“medo”, “insegurança”, “criminalidade”) na opinião pública pelos jornais que estão nas mãos de quem tem os meios de produção. Enganar as pessoas com uma “insegurança” que não é real para criar um fosso ainda maior entre a classe operária branca e a negra. Esta política completamente racista e xenófoba e que ataca como cão raivoso tem um nome: é um regime fascizante que impõe a sua vontade através de um sistema de apartheid para controlar os racializados. Transpuseram as senzalas para Portugal nela metendo todos os racializados pois são os únicos sítios onde podem pagar habitação. Nesta polícia, primeiro dispara-se, depois pergunta-se.
Por sua vez, o crescimento da fina-flor do entulho do fascismo há muito enterrado começa a emergir debaixo das pedras onde estava escondido e, sem vergonha, enche o peito com a sua ignorância, com a sua boçalidade, com a sua brutalidade. Quando vemos estes trabalhadores encostados à parede, a burguesia montada no seu sistema capitalista que vai apodrecendo, o governo que tentou ridiculamente transportar-nos através da atuação do seu braço armado – a polícia—a uma Berlim ou a outra cidade qualquer em plena II Guerra Mundial: toda a gente de braços e pernas abertas, encostada à parede sob o pretexto do tal “sentimento de insegurança” e “criminalidade” que nem os moradores do bairro sentem. Quantas vezes se vai à rua do Benformoso para comer comida indiana, ou ainda há mais anos, se passava pela então Casa dos Amigos do Minho. Nunca nos sentimos inseguros e sempre fomos bem tratados assim como na Kova onde já estivemos algumas vezes.
Sabem onde não nos sentimos seguros? É quando vamos depositar os nossos salários no Banco, seja dos que deram o calote no Estado Português e que nunca distribuíram lucros conosco mas que os sucessivos governos de direita (PS e PSD, com ou sem CDS) fizeram distribuir os prejuízos por todos nós. Que se passou com os acionistas desses bancos? Quem trabalha teve de pagar. Quem roubou vê o seu roubo transformado em algo de insignificante……afinal foram tantos bancos. Teixeira dos Santos, Cavaco Silva, Dias Loureiro, Oliveira e Costa, a lista não acaba. Isso sim, é criminalidade…. e muitos passam entre os pingos da justiça. Mas tal seria de esperar visto estarmos perante uma justiça burguesa.
E mesmo depois de terem denunciado os BPNs desta vida dá-se nesse pleno escândalo um novo: o assalto ao Banco do Ricardo Salgado pelo próprio, amigos e companhia ltd. O banqueiro Salgado que tem Alzheimer mas escreve um livro sobre a sua vida. É aquele do banco dos assets maus e dos bons.
Revolta-nos a atuação da polícia portuguesa com táticas tipo gestapo, racistas e xenófobas para meterem à força na nossa cabeça o “medo” e a “insegurança” que tanto apregoam existir. Como se a maioria dos crimes cometidos neste país à beira mar plantado não fossem cometidos sobretudo por homens brancos e dirigidos para mulheres brancas: o feminicídio do qual a polícia e os políticos não querem falar. Vomitando a ligação da criminalidade com os emigrantes, o alvo de ataque é a classe operária racializada com pretextos inventados de “insegurança”. Quantos Odaires foram assassinados durante décadas pela polícia? Na própria polícia, durante a formação, existe segregação. Os polícias brancos só fumam o seu cigarro no intervalo com os outros brancos. Nas escolas, com crianças, sucedem-se os episódios racistas a que alguns professores brancos acham piada dizendo que “é normal as crianças ofenderem-se umas às outras… afinal só são crianças”. Sim, agora só são crianças. E quando forem adultos?
Muitas organizações internacionais exibem números altíssimos de violência policial em Portugal sobretudo contra o “outro”, o que é diferente: ou já se esqueceram do caso do ucraniano espancado até à morte por agentes do SEF?
Tentam constantemente assustar-nos, para que nos sintamos inseguros nas ruas onde querem que exista um clima de medo instigado à força pela direita e pela extrema direita enquanto a esquerda nada faz.
Pior! Há um partido de esquerda que diz claramente aos seus militantes – “não liguem aos fascistas do Chega que isso é dar-lhes importância”. Desculpar-nos-ão, mas não têm já importância suficiente com a infiltração nas forças policiais? Não têm já importância suficiente em termos de números de deputados? Este tipo de valoração dos fascistas não lhes atribuindo importância não faz sentido num partido que esteve proibido pelo regime fascista, que esteve sempre organizado na clandestinidade, que combateu o fascismo e tem um passado histórico heroico.
Não faz sentido fazer acordos com a direita, gerir o capitalismo no parlamentarismo burguês e contentar-se com os restos de um 25 abril que em breve nada serão.
Felizmente que existe gente que sabe o que é a solidariedade entre trabalhadores, bem como gente na sociedade portuguesa que tem a sua própria opinião e não a dos jornais: não aceitam que a sua opinião seja a publicada: acolhem a diversidade, a interseccionalidade, sabendo que o que é importante é a união dos trabalhadores: sejam do Bangladesh, sejam do Paquistão, de Cabo-Verde, de São Tomé, Guiné-Bissau, Angola ou de Moçambique, do Nepal, do Brasil, da Ucrânia entre muitos outros países. E acima de tudo, unidos, estes trabalhadores vão aprender a reagir para disputar a rua com os trolls racistas, intolerantes e xenófobos sendo que alguns destes são a própria polícia e forças de segurança.
Com o fascismo não há diálogo possível. Ninguém pode esquecer a II Guerra Mundial e os milhões de mortos que provocou.
O fascismo é para espezinhar, de preferência até ao fim.
O internacionalismo proletário, a solidariedade entre os trabalhadores, o preparar de fileiras para combater na rua o racismo, o capitalismo e o seu monstruoso filho, o fascismo, é responsabilidade de todos nós, trabalhadores. O fascismo não se combate em eleições.
Fonte da foto:https://www.sabado.pt/portugal/detalhe/coronavirus-ainda-nao-chegou-a-cova-da-moura-e-as-familias-ja-desesperam
Iskra
1 Por “Norte Global” não se entende uma região simplesmente geográfica mas trata-se sobretudo de uma visão conceptual dos países hegemónicos sendo que no “Sul Global” também se encontram países que pertencem ao “Norte Global”. É o caso da Austrália. Por “Sul Global” mais uma vez optamos por um conceito que não é exclusivamente geográfico: Marrocos, Líbia, Sahara Ocidental, Mauritânia entre outros, estando geograficamente no Norte, estão conceptualmente no Sul. O uso destes termos não é consensual.