(Parte III/III)
Comissão internacional da Organização Comunista (Alemanha)
Como deve ser avaliada a dissolução da Comintern?
Não há dúvida de que a dissolução da Comintern foi um erro desastroso e grave dos dirigentes comunistas da época, a médio e longo prazo. A decisão negou e ignorou a experiência do movimento operário revolucionário desde o século XIX, que tinha mostrado repetidamente a necessidade de uma organização comum das classes trabalhadoras de todos os países contra o inimigo comum. A existência da III Internacional tinha sido uma das maiores conquistas do movimento comunista mundial, agora abandonadapelos seus dirigentes. Através da Internacional, a construção dos partidos comunistas e do movimento sindical de classe não precisava de ser laboriosamente empreendida em cada país inteiramente pelos seus próprios esforços; em vez disso, os comunistas recebiam um apoio enorme e variado. A ideia de que agora, devido à força acrescida dos PC em muitos países, esse apoio deixaria de ser necessário foi um erro fatal, porque nunca poderia haver uma garantia de que o movimento comunista mundial não teria de lutar novamente em tempos difíceis de crise, nos quais uma organização mundial seria vital. Na verdade, isso já era demonstrado pela história dos partidos comunistas da época: o DKP, por exemplo, caracterizou-se por lutas internas de fações até o final da década de 1920, e demorou muito para que prevalecesse a direção defendida por Ernst Thälmann, que correspondia à linha da Comintern. Ainda no início da década de 1930, a própria Comintern tinha constatado que a bolchevização nunca tinha sido suficientemente realizada, ou seja, que, apesar da existência da Internacional, as suas diretrizes não tinham sido colocadas em prática de forma abrangente. 30 Acreditar que os partidos comunistas tinham quadros suficientemente experientes e firmes era obviamente uma ilusão.
Nas colónias e semicolónias, a Comintern deu uma importante contribuição para vencer as lutas de libertação nacional dos povos oprimidos, através de uma aliança com o movimento comunista e para irradiar neles a luta pelo socialismo. Tudo isso agora tinha caído por terra ou teve de ser realizado por outros meios piores, principalmente através da diplomacia oficial da URSS como o Estado socialista mais forte.
Mas, sobretudo, ao abandonar o desenvolvimento conjunto do programa e da estratégia, abriu-se a porta ao oportunismo. A partir de então, todos os tipos de desvios (geralmente de direita) da estratégia revolucionária foram introduzidos sob o pretexto de levar em conta as “características nacionais”. Uma luta comum contra esses desvios a nível internacional e tentativas de corrigir as orientações erradas ocorreu apenas numa medida limitada, pelo menos já não como um processo estruturado e coletivo de discussão do movimento comunista mundial. Em vez disso, tais correções passaram a ser feitas apenas nos próprios partidos comunistas individuais (por exemplo, no PC da Grécia, cujo secretário-geral, Zachariadis, passou a rejeitar a estratégia anterior de fases intermédias em 194931) ou em trocas de informações bilaterais (por exemplo, na crítica de Estaline ao PC da China e o seu conceito de um “socialismo com características chinesas”32). A ausência de um centro dirigente e de uma reflexão coletiva sistemática do movimento comunista mundial pesou ainda mais, porque o último Congresso Mundial da Comintern tinha abrido algumas portas para o oportunismo de direita e estas agora nunca seriam fechadas por uma nova decisão da Comintern.
Como resultado, as decisões do VII Congresso Mundial sobre a Frente Popular, que Dimitroff tinha declarado como mudanças táticas, na verdade funcionaram como estratégicas, como decisões permanentes. Como já não havia um local reconhecido e designado para discutir novamente essas decisões, avaliá-las criticamente e, se necessário, revê-las, foram feitas apenas correções seletivas e táticas. A política da Frente Popular tornou-se, assim, em parte inconscientemente, uma parte integrante da cultura política do movimento comunista mundial e o seu questionamento foi muitas vezes tratado como sacrilégio.
Quando hoje julgamos a decisão de dissolver o Comintern devemos estar cientes de que um julgamento em retrospetiva é sempre algo diferente de um julgamento do ponto de vista dos contemporâneos. Os camaradas que tomaram as decisões naquele momento tinham necessariamente um horizonte de experiência mais limitado e, sobretudo, não tinham a vantagem de conhecer o curso histórico posterior. Nunca devemos esquecer que, em primeiro lugar, a União Soviética e o movimento comunista estavam numa luta extremamente cruel pela sobrevivência, e que, nesta situação, tinham de agarrar qualquer pequena coisa que pudessem. Em segundo lugar, hoje podemos ver retrospetivamente como certas ações se desenrolaram a longo prazo e que consequências negativas imprevistas tiveram. Não se trata, portanto, de condenar o nosso passado, de renunciar a ele, ou de negar o caráter revolucionário da Comintern nos seus últimos anos, mas de identificar e analisar os erros cometidos como tal, a fim de corrigi-los sempre que possível e evitá-los no futuro.
Um desses erros foi a dissolução do Comintern. No fim de contas, essa decisão não se justifica. Em 1943, todos os Aliados ocidentais já estavam em guerra com a Alemanha nazi e a situação militar tinha-se transformado a favor do Exército Vermelho após as batalhas por Moscovo e Estalinegrado. Nos meses que se seguiram, o Exército Vermelho foi capaz de infligir outra derrota contundente à Wehrmacht na Batalha de Kursk. Se havia alguma esperança na liderança da Comintern e da União Soviética de que os imperialistas ocidentais abandonariam a sua atitude fundamentalmente hostil em relação à União Soviética e ao movimento comunista em troca da dissolução do Comintern, isso era uma ilusão perigosa. Imediatamente após a Segunda Guerra Mundial, as forças burguesas em toda a parte voltaram a lutar contra os comunistas, nalguns países militarmente (Grécia, Vietname, Coreia, Malásia), e prepararam-se para lutar contra a União Soviética. Mesmo antes do fim da guerra, partes do Estado americano fizeram planos para uma paz separada com a Alemanha nazi, que foram frustrados graças à intervenção da inteligência soviética (“Operação Sunrise”). Já em 1945, imediatamente após o fim da Segunda Guerra Mundial na Europa e enquanto a guerra no Leste Asiático ainda estava em curso, o Estado-Maior britânico desenvolveu planos concretos para uma guerra de agressão contra a União Soviética (“Operação Impensável”), que não foram colocados em ação apenas por causa da força do Exército Vermelho – e não por causa de concessões aos imperialistas britânicos.
Mais importante ainda, deve ser rejeitado o argumento de que diferentes condições de luta seriam um argumento válido contra a organização internacional e o desenvolvimento conjunto da estratégia. Ter uma orientação estratégica comum significa ter uma abordagem unificada na determinação do inimigo, do alvo e das forças nas quais confiar. Não significa ignorar as peculiaridades nacionais ou tornar-se taticamente inflexível, de tal modo que se teria que responder a todas as situações concretas com o mesmo esquema – como a Comintern também tinha repetidamente enfatizado nas suas resoluções. Hoje, a necessidade de uma orientação estratégica unidirecional resulta do facto de que em toda parte do mundo o imperialismo, ou seja, o capital monopolista, se afirmou como a relação social dominante e absorveu todas as relações sociais. Esse estágio de desenvolvimento não deixa mais espaço para estágios intermédios entre capitalismo e socialismo ou para lutas de libertação nacional desvinculadas da luta pelo socialismo. E, mesmo quando isso era diferente nas décadas de 1920 e 30, quando o mundo ainda era dominado pelo sistema colonial e a existência de grandes territórios semicoloniais, a Comintern foi capaz de levar em conta as pré-condições, as condições de luta e tarefas amplamente divergentes para os comunistas nas colónias, semicolónias, países independentes com desenvolvimento capitalista apenas inicial e países imperialistas desenvolvidos. O programa da Comintern de 1928, muitas vezes difamado como “sectário de esquerda”, não previa exatamente o mesmo curso de ação para todos os países, mas tomava como ponto de partida as diferentes condições para desenvolver em cada caso uma política adequada à situação.
Se a justificação para a decisão da dissolução também sugeria que a Comintern – como a Associação Internacional dos Trabalhadores – tinha o direito de existir apenas por um tempo limitado, isso também é problemático. Não é evidente por que razão a necessidade de unificação internacional da classe trabalhadora deva expirar num determinado ponto; afinal, o objetivo continuava a ser uma revolução socialista mundial. Além disso, a decisão de dissolver não dava qualquer indicação de como poderia ser a coordenação do movimento comunista mundial no futuro, e levou alguns anos até que um novo instrumento fosse criado para isso na forma do Comité de Informação Comunista.
No entanto, a decisão errada de dissolver o Comintern não foi uma “traição à causa revolucionária mundial” em favor dos interesses nacionais da União Soviética, como é frequentemente argumentado hoje, e não apenas pelos trotskistas. O que é particularmente contraditório é que muitas vezes as mesmas forças acusam a União Soviética de ter transformado a Comintern num instrumento compatível com os seus interesses estatais. Se assim fosse, porém, colocar-se-ia ainda mais a questão de saber de que forma teria sido do “interesse nacional” da União Soviética abandonar este instrumento.
De facto, os interesses da União Soviética e o objetivo da revolução mundial estavam inextricavelmente ligados, porque a sobrevivência a longo prazo da União Soviética, como Estaline também tinha enfatizado repetidamente, só poderia ser assegurada por novas revoluções socialistas. A relação entre os dois aspetos foi complicada principalmente pela ascensão do fascismo e a necessidade de combatê-lo e adiar a guerra contra a União Soviética. Isso levou a alguns compromissos táticos e reviravoltas em que o objetivo de proteger a União Soviética tinha prioridade sobre os objetivos de luta imediata dos partidos comunistas nos países capitalistas. Isso também era compreensível e correto em princípio, já que uma destruição da União Soviética significaria uma derrota histórica mundial para os comunistas de todo o mundo também – como a experiência após 1990 mostrou. No entanto, teria sido necessário, na relação entre os interesses da União Soviética e os do movimento comunista mundial, dar maior destaque a este último, uma vez ultrapassado o perigo imediato da destruição do Estado soviético. Por outras palavras, a situação favorável à expansão da revolução, que existiu em 1945 e também depois em vários momentos, deveria ter sido explorada de forma mais contundente.
Com a dissolução da Comintern, o movimento comunista mundial enveredou por um caminho policêntrico, permitindo ao oportunismo grande margem de manobra em cada país. A independência dos partidos comunistas tornou-se uma ferramenta para blindar a crítica externa de qualquer desvio oportunista em nome da não interferência. Tudo isto acabou por prejudicar a URSS, que assim se viu obrigada a intervir pela força em várias ocasiões, porque em alguns partidos comunistas até se afirmaram abertamente correntes contrarrevolucionárias (como na Hungria em 1956 e na Checoslováquia em 1968), que, se tivessem podido concretizar-se, não só teriam liquidado o socialismo nos seus países num curto espaço de tempo, como também teria mudado drasticamente o equilíbrio de poder entre os campos imperialista e socialista em favor do primeiro. A União Soviética teve agora de intervir para proteger os interesses existenciais e pagou um preço elevado por isso politicamente – a alternativa teria sido evitar que tais situações surgissem, em primeiro lugar, desenvolvendo uma estratégia comum para o movimento comunista mundial.
Com a tomada do poder pelas forças contrarrevolucionárias na União Soviética na década de 1980, o envolvimento internacionalista da URSS também terminou. O fim do internacionalismo significou também o fim da “ingerência” nos assuntos de outros Estados: o governo revolucionário do Afeganistão foi abandonado e lançado para a brutal contrarrevolução dos mujahedin, que eram altamente armados pelos Estados Unidos, enquanto os outros países aliados também viram negado o seu generoso apoio económico anterior, acelerando a vitória da contrarrevolução na maioria dos países.
O Gabinete de Informação Comunista (Cominform)
Em contraste, nos anos imediatamente seguintes à dissolução da Internacional, isto é, em 1944 e nos anos seguintes, a falta de uma estratégia comum para a revolução socialista tornou-se dolorosamente evidente. Vários partidos comunistas cometeram erros graves nessa fase, adiando a luta pelo socialismo para um futuro indefinido33 ou juntando-se aos chamados governos de “unidade nacional” – uma continuação dos governos da Frente Popular – e, no processo, de facto, apoiando os partidos burgueses para a consolidação do domínio capitalista.
A falta de coordenação entre os partidos comunistas foi cada vez mais entendida como uma deficiência nos anos seguintes, mesmo que o erro de dissolver a Internacional não fosse reconhecido como tal. Em setembro de 1947, o Gabinete de Informação Comunista (Cominform) foi fundado em Szklarska Poreba, Polónia, mas, ao contrário da Comintern, incluía apenas alguns partidos selecionados: Além do PCUS, os PC dos países do Leste Europeu (Bulgária, RDA, Jugoslávia, Polónia, Roménia, Checoslováquia e Hungria) e os PC francês e italiano. A resolução que institui o Cominform afirmava “que a falta de ligação entre os partidos comunistas que participam na presente reunião constitui uma grave desvantagem na presente condição. A experiência tem demonstrado que essa falta de ligação entre os partidos comunistas é errada e prejudicial. “34
Alguns dias antes, na reunião, Andrei Jdanov, o principal político soviético na criação do Cominform, tinha criticado um famoso discurso: “Alguns camaradas entenderam que a dissolução do Comintern implicava a eliminação de todos os laços, de todos os contatos, entre os partidos comunistas irmãos. Mas a experiência mostrou que esse isolamento mútuo dos partidos comunistas é errado, prejudicial e, na verdade, antinatural. O movimento comunista desenvolve-se dentro de quadros nacionais, mas há tarefas e interesses comuns aos partidos de vários países. Temos uma situação bastante curiosa: os socialistas, que não se detiveram perante nada para provar que a Comintern ditava as diretivas de Moscovo aos comunistas de todos os países, restauraram a sua Internacional; no entanto, os comunistas até se abstêm de se encontrar, muito menos de se consultarem sobre questões de interesse mútuo para eles, com medo da conversa caluniosa dos seus inimigos sobre a ‘mão de Moscovo‘.” 35
O regresso ao intercâmbio organizado entre os partidos comunistas foi, sem dúvida, um avanço, mas não poderia substituir a Comintern. Em primeiro lugar, a Cominform era uma associação cuja composição era comparativamente arbitrária da qual a maioria, mesmo alguns partidos comunistas muito importantes, estava excluída. E, em segundo lugar, não foi explicitamente criado como uma organização centralizada com secções nacionais, mas sim como um fórum de intercâmbio entre partidos que eram independentes uns dos outros. A Cominform foi, no entanto, útil para combater o oportunismo que tomou conta da prática de vários partidos comunistas após a Segunda Guerra Mundial. O PC italiano (PCI), por exemplo, já estava em processo de abandono efetivo do seu objetivo revolucionário e do seu modo de organização como Partido do Novo Tipo. Já em abril de 1944, Togliatti declarou: “Eu sei, camaradas, que o problema de fazer o que foi feito na Rússia não se coloca aos trabalhadores italianos hoje. […] Vamos propor ao povo fazer da Itália uma república democrática, com uma Constituição que garanta todas as liberdades a todos os italianos: a liberdade de pensamento e a de expressão; liberdade de imprensa, associação e reunião; liberdade de religião e culto; e a liberdade da pequena e média propriedade se desenvolver sem ser esmagada pelos grupos gananciosos e egoístas da plutocracia, ou seja, do grande capitalismo monopolista. […] O caráter do nosso partido deve mudar profundamente […]
já não podemos ser uma pequena e estreita associação de propagandistas das ideias gerais do comunismo e do marxismo. […] Temos de ser o partido mais próximo do povo […] É dever dos comunistas estar perto de todas as camadas populares.”36 E novamente aparece o argumento das “particularidades nacionais”: “A experiência internacional diz-nos que, nas condições atuais da luta de classes em todo o mundo, a classe operária e as massas trabalhadoras de vanguarda podem encontrar novos caminhos para o socialismo, diferentes daqueles que, por exemplo, foram seguidos pela classe operária e pelos trabalhadores da União Soviética. Chamo a vossa atenção para um grande exemplo: o da Jugoslávia. […] Em cada país […]
Estaline conversando com representantes de partidos comunistas no VII plenário da Comintern
no que se refere às tradições e características nacionais […] a marcha para a democracia e o socialismo assume formas particulares”. 37
Na conferência de fundação do Kominform, Jdanov criticou o PCI e o PCF pela sua inércia na luta revolucionária, por colaborarem com a burguesia e pela sua disposição de se comprometerem com os partidos católicos e social-democratas38. Em seguida, a delegação jugoslava, em consulta com Jdanov, detalhou as suas críticas aos camaradas italianos e franceses. Foram acusados de servilismo perante o gaullismo e o Vaticano, ilusões na luta parlamentar pacífica e o desarmamento dos exércitos partidários. A ideia de que uma democracia popular poderia ser alcançada através da participação dos comunistas num governo burguês foi criticada, assim como a forma como o PCF se organizou, transformando-se num amplo partido de massas preocupado apenas com o crescimento quantitativo. Falou-se de uma “tendência para a revisão do marxismo-leninismo, para um desvio […] em direção ao oportunismo e ao parlamentarismo no Partido Francês, no Partido Italiano, como noutros Partidos“39
Um ano mais tarde, na segunda conferência da Kominform, em Junho de 1948, as relações com o PC da Jugoslávia tinham-se deteriorado maciçamente, uma vez que esse partido agora também tinha posições oportunistas de direita, e em maior grau. O PCJ era agora acusado de uma atitude hostil em relação à União Soviética, de basear as suas políticas principalmente no campesinato e não na classe trabalhadora e, nesse contexto, de tolerar o desenvolvimento da propriedade privada, de relativizar o papel da direção do partido e efetivamente dissolvê-lo numa ampla “frente popular”, e de desconsiderar o centralismo democrático e transformar-se numa organização burocrática e autoritária40. Como resultado, o PC da Jugoslávia foi expulso da Cominform.
No entanto, essas importantes intervenções contra as tendências revisionistas emergentes não foram suficientes; além disso, já havia aspetos problemáticos nas ideias estratégicas da liderança soviética naquela época. Assim, em 1950, em conversas com o secretário-geral do Partido Comunista da Grã-Bretanha (PCGB), Harry Pollitt, Estaline criticou, por um lado, a sua atitude comprometedora em relação à social-democracia: “Os comunistas ingleses, no programa do seu partido, deveriam dizer abertamente que os trabalhistas não são de todo socialistas, mas na verdade são a ala esquerda do Partido Conservador. É necessário dizer mais claramente que, sob um governo trabalhista, os capitalistas se sentem muito bem e os seus lucros continuam a aumentar e que este facto, em si diz, que os trabalhistas não estão de forma alguma prestes a construir o socialismo.” Além disso, disse ele, os comunistas britânicos estavam a contornar a questão da luta anticolonial. Além dessas críticas, no entanto, Estaline concordou com a tática do PCGB de um caminho parlamentar para o socialismo. Se os comunistas ingleses fossem acusados de querer estabelecer o sistema soviético na Grã-Bretanha, eles teriam de responder, “que eles não querem enfraquecer o Parlamento, que a Inglaterra chegará ao socialismo pelo seu próprio caminho e não pelo caminho percorrido pelo poder soviético, mas através de uma república democrática que será guiada não por capitalistas, mas por representantes do poder popular, ou seja, uma coligação de trabalhadores, intelectuais operários, classes mais baixas das cidades, bem como agricultores. Os comunistas devem declarar que esse poder atuará através do Parlamento. “41 Tais posições, no entanto, não eram novas precisamente em relação à tática dos comunistas britânicos. Lenine também já tinha recomendado que eles apoiassem os líderes reformistas em alguma medida para derrotar os conservadores nas eleições. Era necessário “no interesse da revolução, que os revolucionários da classe trabalhadora dessem a esses senhores um certo apoio parlamentar“, disse Lenine42. Estaline (e Lenine, é claro) defendia uma estratégia revolucionária tendo por base o rumo do socialismo. No entanto, ambos fizeram concessões táticas ao reformismo que não foram úteis nos anos posteriores no combate ao oportunismo no movimento comunista. A guinada oportunista de direita do PCUS no XX Congresso do Partido, em 1956, poderia assim parecer uma rutura menos abrupta do que realmente foi, porque poderia ser baseada nas concessões táticas que já tinham sido feitas no passado.
A cooperação institucionalizada no âmbito da Cominform ou apenas o contacto bilateral informal entre os partidos comunistas eram insuficientes, mas melhor do que nada, O objetivo de combater o oportunismo no movimento comunista mundial já não era compartilhado pela liderança soviética após a morte de Estaline. Após o XX Congresso do PCUS, em fevereiro de 1956, o PCUS adotou claramente conceções oportunistas de direita em relação à estratégia (a conceção da transição parlamentar pacífica para o socialismo), à conceção de socialismo (a conceção do “estado de todo o povo” e ao uso crescente da lei de valor sob o socialismo) e à política externa (coexistência pacífica com o imperialismo agora entendida como relações amistosas com ele). Sob a liderança de Kruschev, o PCUS espalhou essas visões junto do movimento comunista mundial também. Pouco depois do XX Congresso do Partido, a Cominform foi dissolvida unilateralmente em abril de 1956 por decisão do Comité Central do PCUS, liquidando assim o único instrumento que restava para unificar e coordenar o movimento comunista mundial.
Com a cisão sino-soviética (a divisão do movimento comunista mundial em campos pró-chineses e pró-soviéticos), mais tarde complementada pela cisão entre o Partido do Trabalho da Albânia e o PC chinês, e os conflitos entre a Jugoslávia e a Albânia, surgiram sérias disputas entre os partidos comunistas nas décadas seguintes. A falta de uma organização comum em que esses conflitos pudessem ter sido resolvidos e as posições oportunistas, que se podiam encontrar em todos os lados desses conflitos interpartidários, sem exceção, poderiam ter sido combatidas, pesaram muito. Esses conflitos merecem um estudo mais aprofundado, assim como a questão de saber se a ausência da Comintern não tendeu, de facto, a reforçar a preponderância dos grandes PC no poder sobre os demais partidos comunistas…
30 O. Piatnitsky, 1932.
31 Skolarikos, K. “‘Ευρωκομμουνισμός’ Θεωρία και στρατηγική υπέρ του Κεφαλαίου” (“Teoria e Estratégia do Eurocomunismo para o Capital.”) Atenas, 2015, p. 127.
32 J. W. Stalin: “Da Conversa com a Delegação do CC PC da China em Moscou”, 11 de julho de 1949. Disponível em: Gabinete de Informação dos Partidos Comunista e Operário.
33 Por exemplo, o KPD, que declarou em junho de 1945: “Somos de opinião que o caminho de impor o sistema soviético à Alemanha seria errado, porque esse caminho não corresponde às condições atuais de desenvolvimento na Alemanha. Pelo contrário, somos de opinião que os interesses decisivos do povo alemão na situação atual ditam outro caminho para a Alemanha, a saber, o caminho do estabelecimento de um regime democrático antifascista, uma república parlamentar-democrática com todos os direitos democráticos e liberdades para o povo”. “Apelo do CC do KPD ao povo alemão para a construção de uma Alemanha antifascista-democrática, 11 de junho de 1945”. Online em alemão em: https://www.1000dokumente.de/pdf/dok_0009_ant_de.pdf.
34 Cominform: “Resolução sobre intercâmbio de experiências e coordenação das partes representadas na reunião”, 27 de setembro de 1947. Traduzido da versão alemã, disponível online em: https://www.1000dokumente.de/index.html?c=dokument_ru&dokument=0029_kim&object=context.
35 A. Zhdanov: “A situação internacional. Discurso proferido na Conferência Informativa dos representantes de vários Partidos Comunistas”, 22 de setembro de 1947. Disponível online em: https://www.revolutionarydemocracy.org/archive/zhdanovRD.pdf.
36 P. Togliatti: “La politica di unità nazionale dei comunisti”, Relatório aos quadros da organização comunista napolitana. 11 de abril de 1947. Disponível online em: https://www.associazionestalin.it/PCI_5_unita.html
37 P. Togliatti: “Verso la democrazia, verso il socialismo”, Rinascita, vol. 7, 1947, p. 193. Disponível online em: https://www.archivipci.it/mirador.html?manifest-url=https://iiif.fondazionegramsci.org/manifest/iiif-gramsci-0014/654e4ee91bec04857f05a451/manifest.json
38 B. Bland 1998: “O Cominform combate o Revisionismo”, p. 4. Disponível online: https://www.marxists.org/history/erol/uk.postww2/bland-cominform.pdf.
39 Ibidem, p. 5.
40 Ibidem, p. 9fn.
41 J. Stalin e H. Pollitt: “O Caminho Britânico para o Socialismo”, 1950. Disponível online em: https://www.marxists.org/history/erol/uk.postww2/stalin-pollitt.pdf.
42 V. Lênin: “Comunismo ‘de esquerda’: uma desordem infantil”, 1920. In “Obras Reunidas”, volume 31, p. 81. Disponível online em: https://www.marxists.org/archive/lenin/works/1920/lwc/index.html
Imagem 1: https://en.wikipedia.org/wiki/Communist_International
Imagem 2: https://en.wikipedia.org/wiki/Communist_International
Imagem 3: https://en.wikipedia.org/wiki/Profintern
Imagem 4: https://www.thecollector.com/what-was-comintern-third-international/