Reflexões sobre o papel do Partido Comunista no mundo contemporâneo (Parte II/II)  

               

REVISTA COMUNISTA INTERNACIONAL Nº 14 – 2025

Severino Menéndez, membro da Comissão Política do CC do PCTE

Partido Comunista dos Trabalhadores da Espanha                                           

Cândido Portinari

O nível de desenvolvimento e a ascensão do movimento revolucionário no início do século passado não correspondem ao cenário atual, embora as massas trabalhadoras possam evoluir e consciencializar-se rapidamente quando submetidas a condições favoráveis ​​e em contacto com a teoria revolucionária. Em todo caso, a maior ou menor fragilidade das organizações partidárias é o elemento nodal que deve estar presente na definição das táticas em cada país. Mesmo que a correlação de forças não defina esta era e estejamos a viver a era da transição revolucionária do capitalismo para o socialismo-comunismo, ela define as táticas a serem adotadas.

O papel do PC nessas circunstâncias não é o de fomentar a insurreição, nem o de fazer grandes declarações que não se sustentem na prática. O papel é o de fazer avançar as posições revolucionárias em cada país, aproveitando-se da maior fragilidade do sistema. Nesse sentido, somente um bom desenvolvimento da estratégia e da tática, ajustadas à realidade nacional específica, pode levar a um avanço significativo dessas posições, com uma acumulação de forças que permita melhores condições para aproveitar as janelas de oportunidade que possam surgir — ou, pelo menos, favorecer um maior desenvolvimento do fator subjetivo.

Mas o papel do Partido também é planear e preparar-se com antecedência, aproveitando as condições prévias mais favoráveis, estudando e aprendendo com as experiências históricas de resistência e lutas em tempos de legalidade, bem como estruturando e fortalecendo as capacidades necessárias do ponto de vista orgânico, estudando meios de proteção dos militantes na sua ligação com as massas, possibilitando uma liderança estável ao longo do tempo e canais de comunicação seguros, para que o Partido possa prosseguir com a sua atividade em qualquer cenário previsível. Logicamente, nem todos os países têm a mesma correlação de forças, e nem todos participarão da mesma maneira quando houver uma escalada de conflitos, sejam eles locais ou mais generalizados.

A partir de agora, dedicar o máximo esforço ao fortalecimento dos sindicatos, à implementação de um amplo movimento pela paz e contra a guerra, bem como pela eliminação das causas que a geram, e à garantia de redes de solidariedade internacional são características essenciais a serem desenvolvidas contra o avanço da reação — quer nas suas expressões de extrema-direita quer/ou fascistas —, que se consolida ainda mais enquanto as mensagens belicistas dominam o discurso da classe dominante, ao mesmo tempo em que o anticomunismo se torna política de Estado.

6. O Partido como uma parte minoritária, organizada e consciente da classe trabalhadora

As massas da classe trabalhadora estão subjugadas a condições de existência definidas pela exploração, tendo em comum a impossibilidade de desenvolvimento das suas capacidades humanas em consequência da alienação a que são submetidas.

Sob essas condições alienantes, no sistema capitalista, o trabalhador sente-se separado de diversas características do seu trabalho e da sua própria humanidade. Primeiro, o trabalhador não controla o produto final do seu trabalho, que é apropriado pelo capitalista; segundo, o trabalhador não controla o processo de trabalho, que é ditado pelas necessidades do capitalista; terceiro, o trabalho torna-se uma atividade exógena para o trabalhador, não lhe permitindo expressar a sua natureza criativa e livre; quarto, o sistema capitalista promove a competição e o individualismo, o que leva à fragmentação das relações sociais.

A alienação é um resultado inerente ao sistema produtivo capitalista, no qual o trabalhador se torna uma mera ferramenta para a geração de lucros, em vez de ser um ser humano livre e realizado.

No sistema capitalista, as relações entre as pessoas são distorcidas e fragmentadas. Em vez de uma comunidade de apoio, o capitalismo promove a competição e o individualismo entre os trabalhadores. O trabalhador sente-se isolado e separado dos outros, sem o sentimento de pertença a uma comunidade mais ampla.

Esse distanciamento dos outros seres humanos enfraquece a nossa natureza social e afasta-nos do desenvolvimento de relações significativas e de apoio com os nossos pares.

Esta circunstância define como o Partido só pode agrupar uma minoria da classe trabalhadora, já que os elementos mais conscientes dessa classe são necessariamente uma minoria dentro da sociedade capitalista.

O papel do Partido é organizar coletivamente e assegurar essa consciência, bem como as condições para arrastar consigo as massas da classe trabalhadora, dando uma resposta política adequada a cada momento e impedindo que as táticas questionem o objetivo estratégico.

O Partido Comunista é um destacamento da classe trabalhadora e deve ser a sua vanguarda na luta pelo derrube do capitalismo e pelo estabelecimento do socialismo.

Falar do papel de vanguarda do Partido não é mero epíteto. Trata-se da implementação prática de uma atitude organizada para trabalhar as características que o definem como vanguarda. O conhecimento necessário e amplo das condições de vida e de trabalho da classe trabalhadora reside entre essas características, pois permite a definição rigorosa dos objetivos da luta em cada momento e a perspetiva de avanço de posições revolucionárias para a defesa dos seus interesses.

Por outro lado, é necessário um vínculo estreito com a classe e as massas, que permita exercer um papel orientador e de liderança. Isto porque a classe trabalhadora precisa do exercício desse papel para alcançar a consciência de classe necessária para cumprir sua missão histórica. Nesse sentido, o Partido não deve apenas transmitir a sua experiência às massas, mas também aprender com elas e conhecer a cada momento a sua disposição e nível de preparação, evitando confundir o nível de determinação e vontade das massas com o do Partido e até mesmo dos seus quadros dirigentes.

Tudo o que foi mencionado anteriormente deve ser realizado com um nível de consciência, coragem e combatividade que permita o cumprimento das suas tarefas, quaisquer que sejam as condições em que tenha de intervir. Tampouco deve esquecer que é justamente a classe trabalhadora e as camadas populares que devem defender diretamente — embora com o Partido — os seus interesses e alcançar a emancipação.

7. A independência orientada para a classe e as frentes de massas

A independência orientada para a classe é uma condição necessária para que a classe trabalhadora seja capaz de desenvolver a sua consciência e capacidade de luta. A classe trabalhadora deve estar ciente dos seus interesses de classe a cada instante e do seu papel histórico como classe revolucionária. Deve ser capaz de agir de forma independente e autónoma na luta de classes, não se deixando influenciar ou cooptar por outras classes ou forças sociais, submetendo-se a elas. As alianças com outros movimentos ou setores, quando possíveis, devem ser sempre consideradas sob a perspetiva da independência e autonomia, sem renunciar aos seus interesses de classe.

O papel do Partido deve ser o de assegurar essa independência, fornecendo uma estrutura organizacional, uma plataforma política e uma ideologia, procurando levar a classe trabalhadora ao cumprimento da sua missão histórica como coveira do sistema capitalista.

Ao longo da história, a classe trabalhadora organizou-se de diversas maneiras. O Partido Comunista não é a única organização de classe, embora a sua liderança política deva ser eficaz em todas elas. 

A necessidade de todas essas organizações de massas consolidarem e promoverem posições de classe coloca na agenda de cada Comité de Política o trabalho de conquistar esse papel de liderança única em todas elas. Isso deve ser feito estabelecendo vínculos orgânicos com o Partido, transformando-o na liderança política consciente do movimento de massas e coordenando a sua ação com a estratégia e as táticas revolucionárias.

O papel do Partido Comunista deve ser o de confrontar e contestar a dominação onde quer que as tendências social-democratas, assim como outras tendências reformistas e oportunistas, sejam maioria, mas também contra as tendências de esquerda que nos isolam das massas e nos impedem de nos ligar com as suas reivindicações específicas.

Trabalhar dentro de organizações de massas — especialmente em sindicatos —, mesmo que essas tendências estejam atualmente a dominar esses setores, é essencial se não quisermos abandonar as massas da classe trabalhadora politicamente mais marginalizadas. Não fazer isso significaria perder a vasta maioria da classe trabalhadora, que hoje está sob a influência da ideologia dominante e não possui uma consciência de classe bem definida.

8. Estrutura e composição do partido

O Partido não é apenas necessário, mas insubstituível. As características organizacionais não têm relevância secundária, pois servem para facilitar ou dificultar o papel atribuído ao Partido.

Um exemplo paradigmático é evidenciado pela experiência espanhola, quando o Partido Comunista Espanhol (PCE) alterou a sua estrutura celular, estruturando-se em grupos com base em divisões territoriais. Uma vez que renunciaram ao caráter revolucionário, impôs-se uma estrutura pronta para organizar o Partido no âmbito de circunscrições eleitorais locais. Isso transformou, na prática, as organizações de base do PCE numa estrutura eleitoral ao serviço da sua representação institucional. Tornou-se o aparelho eleitoral para cadeiras parlamentares que apoiam — e até participam — em governos supostamente de esquerda ou progressistas, devido à sua dependência da possibilidade institucional burguesa. 

A estrutura, como podemos ver, não se relaciona apenas com o momento tático, mas também com a visão estratégica. Nesse sentido, a estruturação em células organizadas principalmente nos locais de trabalho responde perfeitamente a ambas as necessidades. 

O local de trabalho é o espaço estratégico para a intervenção direta do Partido, não só no momento revolucionário — pois possibilita a transferência da propriedade e o controle operário das empresas, a reorganização da produção para atender às necessidades da população, o enfrentamento da sabotagem e o desenvolvimento de novas formas de organização e participação operária —  mas também na atualidade — visto que a organização da classe trabalhadora nas unidades produtivas possibilita a defesa dos seus interesses, a ascensão da sua consciência de classe e o desenvolvimento do seu potencial transformador. Nessa esfera, os sindicatos e a organização partidária  complementam-se e são insubstituíveis. Uma das principais raízes da política de “voltar aos locais de trabalho” implementada pelo PCTE desde a sua 3ª Conferência sobre o Movimento Operário e Sindical baseia-se nesta reflexão.

A nossa presença nos locais de trabalho facilita o cumprimento pelo Partido do seu papel essencial de apoiar a luta sindical ou económica e de orientar o movimento antimonopolista e anticapitalista, reforçando, assim, as lutas políticas e ideológicas. Isto porque a luta de classes se manifesta plenamente nessas três lutas, e nenhuma delas pode avançar satisfatoriamente sem as outras. Com o domínio dos monopólios e do capital financeiro, a classe trabalhadora está fadada a sofrer retrocessos constantes nos seus direitos se não tiver o seu Partido — mesmo que tenha um movimento sindical amplo e bem estruturado. O papel do Partido é mostrar os limites do capitalismo e tecer a unidade do movimento operário e sindical sob as bandeiras da independência de classe.

O PC deve contar com estruturas básicas que permitam — a cada momento e devido à necessidade de adaptação à realidade externa — os ajustamentos necessários para manter, de forma otimizada, a atividade do Partido junto das massas. Essas estruturas podem absorver ou restringir o número de militantes e assegurar a transmissão intergeracional para além das contribuições da Juventude Comunista (JC). O Partido deve ser uma organização capaz de manter contatos regulares entre a direção central e os centros territoriais, bem como entre estes últimos e as organizações de base. Isso possibilitaria o fornecimento de informações relevantes e oportunas para o trabalho e a ação do Partido, além do fornecimento de publicações e diretrizes gerais para a mobilização. 

Uma estrutura que possibilite a continuidade e a estabilidade da liderança central, que permita o estudo da realidade e a elaboração de políticas no âmbito das teses e do programa do Partido, e também organizações de base totalmente inseridas — primordialmente — nos locais de trabalho, com a expressão da sua atuação onde quer que a classe trabalhadora esteja presente. Uma estrutura que possibilite a intervenção direta entre as massas mantendo, ao mesmo tempo, uma presença organizada para intervir através de outras expressões organizacionais da classe trabalhadora.

Portanto, estamos a falar de uma estrutura ao serviço da estratégia revolucionária, com características temporárias ao serviço das táticas que possam ser necessárias para o seu desenvolvimento e fortalecimento.

Estamos a falar de um Partido organizado para ser capaz de responder a cada cenário específico e para ser a organização capaz de lutar em todas as circunstâncias. Portanto, um partido que avalia as possíveis situações futuras no mundo atual e tem em mente que, numa situação de extrema fragilidade, deve responder à violência extrema que tal fragilidade irá gerar por todos os meios ao seu alcance — os meios que se provaram eficazes ao longo da história.

9. Formação e especialização de quadros

Atualmente,  têm surgido muitos temas para estudo no calor da rica experiência revolucionária do nosso movimento. Contamos com uma vasta compilação de obras dos pensadores mais relevantes. Contudo, desde o triunfo temporário da contrarrevolução, surgiram sérios problemas para dar continuidade aos estudos, tanto pela fragilidade do nosso movimento como pela influência de tendências não revolucionárias no seu interior.

Contudo, diversos partidos conseguiram consolidar teorizações sobre características nodais do nosso movimento que recolocaram o caminho revolucionário no presente. A questão é se estamos a ser capazes de traduzir todas essas teorizações e estudos — e também as conclusões teóricas que deles extraímos — em elementos práticos para a atividade tanto dentro como fora do Partido. 

Incorporar a formação na atividade diária e fornecer aos militantes as ferramentas teóricas necessárias para o trabalho prático não se consegue apenas pelo estudo isolado das principais obras do marxismo-leninismo, mas também pela assimilação dos novos desenvolvimentos. Não o fazer colocar-nos-ia em risco de futuros mal-entendidos e possíveis desentendimentos entre a direção central do Partido e os seus militantes.

A formação revela-se, assim, como uma tarefa central do Partido, especialmente a formação e especialização de quadros que permitam a divisão do trabalho de forma a otimizar as forças e os recursos de que dispomos, abandonando os métodos de trabalho artesanal em que cada um faz tudo. Para tal, cada quadro militante deve dedicar-se à tarefa que melhor possa desempenhar e integrá-la no trabalho do conjunto dos nossos partidos, num esforço para reforçar a capacidade político- ideológica e utilizar a experiência para a alternância de quadros e a assunção de responsabilidades.

Mas a especialização não deve restringir um amplo conhecimento da missão do Partido, do seu programa, do seu corpo teórico marxista-leninista, da sua política e de como essa política se articula com o programa. O papel do Partido nessa esfera é formar militantes e quadros completos, cuja atividade seja especializada de acordo com as suas qualidades, evidenciadas na sua prática, ou seja, comunistas que agem e veem em cada uma das suas ações qual é o seu lugar dentro do projeto revolucionário. Não fazer isso pode levar à transformação dos quadros do Partido em meros quadros associativos, ou em burocratas e técnicos alienados da realidade de classe — portanto, em ambos os casos, mais suscetíveis à influência de ideologias alheias.

A luta de classes exige quadros revolucionários, militantes profissionais, dedicados à atividade política. Esses quadros devem ser cuidadosamente selecionados e treinados, recebendo uma sólida formação teórica e prática em marxismo-leninismo. Os quadros revolucionários são o motor da revolução, e a sua seleção e preparação são tarefas primordiais do Partido Comunista.

O PCTE está hoje empenhado nesta tarefa. Precisamos de um Partido capaz de formar estes quadros como o esqueleto reforçado da estrutura. O esqueleto de um corpo que confia na classe trabalhadora e na sua natureza revolucionária, que possui um alto nível de vigilância político-ideológica, que tem uma frente poderosa contra o oportunismo e as posturas dogmáticas, desligadas da realidade da luta de classes. Este corpo está ciente das causas das dificuldades da nossa classe como um efeito incontornável do desenvolvimento capitalista e está disposto a percorrer o longo caminho que leva à superação revolucionária de um modo de produção que atingiu o seu limite histórico.