Comissão Política do PCTE
No dia 5 de abril, o movimento operário e popular mobilizar-se-á em todo o país pelo direito à habitação. Esta convocatória segue o caminho dos apelos massivos dos últimos meses em resposta ao problema real da impossibilidade de acesso à habitação para setores crescentes da classe trabalhadora e do povo trabalhador. Esta resolução visa delinear a posição comunista sobre esta matéria e, a partir dela, traçar um caminho de luta que incentive cada vez mais setores a fazer desta uma luta sustentada, capaz de abordar os fundamentos políticos, ideológicos e organizacionais deste problema.
Nos últimos meses, a questão do acesso à habitação ganhou destaque, tornando-se a principal preocupação dos espanhóis, de acordo com a última sondagem realizada pelo INE (Instituto Nacional de Estatística). A realidade é que os preços dos imóveis aumentaram drasticamente nos últimos anos, tanto nas vendas como nas rendas de casa o que está a dificultar seriamente o acesso à habitação para segmentos crescentes da classe trabalhadora e dos setores populares.
Isto é especialmente agravado no caso dos setores mais empobrecidos da classe, como a classe trabalhadora migrante ou a juventude trabalhadora, que enfrentam sérias dificuldades para se emanciparem do lar familiar. Este problema concentra-se principalmente nas grandes cidades do país e nas suas regiões metropolitanas, ou seja, os grandes centros de produção onde a classe trabalhadora é obrigada a aglomerar-se. Mas a pouco e pouco está a espalhar-se por todo o território, na decorrência de movimentos demográficos impulsionados pela alta constante dos preços e pela dificuldade de viver nos grandes centros urbanos.
O aumento dos preços (a renda média subiu 11% em 2024, e o preço médio por metro quadrado foi o mais alto da história) reforça o empobrecimento da classe trabalhadora — já que o custo de reprodução da própria vida aumenta e percentagens maiores dos salários têm de destinar-se a esse fim – e força o acesso a habitações e equipamentos de pior qualidade. Infelizmente, ninguém desconhece os anúncios de rendas a pagar em espaços praticamente inabitáveis e a preços exorbitantes, nem a sobrelotação causada pela obrigação de partilha dos apartamento, o que, por sua vez, reforça a dependência económica intrafamiliar e baseada no género.
Paralelamente, ao empobrecimento generalizado da classe trabalhadora os despejos estão a aumentar, estão a fechar centros de saúde, centros culturais, bibliotecas públicas, etc.. A paisagem urbana está a ser remodelada, e famílias da classe trabalhadora estão a ser expulsas das suas áreas históricas de residência. Os preços dos imóveis estão a subir, e os centros urbanos estão a expandir-se e a especializar-se em comércio e turismo. Os bairros operários e populares, onde reside a maioria da classe trabalhadora e dos setores de baixos rendimentos, têm cada vez menos serviços públicos, e os que permanecem têm acesso a eles em condições cada vez piores, empurrando toda a população para os setores privados de assistência e lazer. Este processo encontra correlação em termos da configuração de uma subjetividade específica, vinculada a uma noção privatizada destes serviços.
No acesso à habitação, a agudização das contradições capitalistas manifesta-se de forma particularmente agressiva e violenta com o consequente empobrecimento da classe trabalhadora. Mas qual a origem e qual a razão da impossibilidade de acesso à habitação digna para a maioria da população do nosso país?
A origem histórico-social do problema habitacional
Somado a isto, nos últimos anos o poder de compra dos salários só diminuiu; ou seja, o preço da mão de obra foi desvalorizado, e a maneira específica como o problema da habitação se desenvolveu no nosso país torna particularmente difícil para a classe trabalhadora encontrar um lugar para morar. E isso acontece porque o problema da habitação no capitalismo se manifestou historicamente de forma contraditória. Por um lado, nós, trabalhadores, precisamos de um teto, assim como os capitalistas, para a reprodução do capital, precisam de trabalhadores em condições suficientes para entrar na produção no dia seguinte. Mas, por outro lado, a habitação, no capitalismo, é uma mercadoria e, além disso, particularmente lucrativa.
O planeamento e a construção de habitações não estão sujeitos a uma lógica social de provimento das necessidades sociais, mas sim à lógica de rentabilidade e investimento de capital. Ao mesmo tempo, os interesses económicos e corporativos dos setores da burguesia que mais beneficiam da especulação imobiliária entram em conflito com a necessidade do capitalismo de reproduzir a força de trabalho: a existência desta tensão interburguesa demonstra o esgotamento e a obsolescência histórica do modo de produção capitalista. O Estado, capitalista coletivo, atua nessa tensão procurando garantir a continuidade da sociedade burguesa. Portanto, o mercado imobiliário intervém sempre a favor da reprodução do capital.

O problema da habitação é, portanto, inerente ao sistema capitalista e aos seus ciclos; à sua tendência para a concentração de capital e da produção nas grandes cidades. Esta tendência implica a remodelação e reconfiguração progressiva, cada vez mais complexa e populosa, das nossas cidades – baseadas na divisão do trabalho, na separação do trabalho industrial e comercial – cujo centro se torna uma montra para o uso turístico; e implica a consequente expulsão da classe trabalhadora e dos setores populares das suas áreas tradicionais de residência. A luta de classes, a correlação histórica de forças, está impressa na morfologia urbana.
Em meados do século passado, ocorreram grandes movimentos migratórios do campo para os grandes centros urbanos e um consequente crescimento exponencial da população urbana. Com isso, as barracas e a construção ilegal ganharam destaque, diante da escassez de habitações para a classe trabalhadora. Nos anos que se seguiram ao fim do regime de Franco e à transição, a luta dos bairros pela prestação de serviços a essas cidades, as suas reivindicações face à nova construção de “casas baratas”, foram acompanhadas por uma política voltada para a construção de conjuntos habitacionais adaptados às necessidades do modelo fordista de produção.
O regime de propriedade, favorecido pelos superlucros imperialistas, foi promovido pelo setor público — por meio de financiamento das promotoras imobiliárias e do setor privado — como uma forma específica de reduzir a pressão sobre o movimento dos trabalhadores na luta por salários. Isto ocorreu num momento (décadas de 1970 e 1980) em que o nosso país estava a entrar num processo de crescente internacionalização e integração no sistema imperialista internacional, o que, por sua vez, resultou na destruição de forças produtivas e altos níveis de violência contra o povo trabalhador.
Esse processo, além de fomentar um regime de propriedade específico, favoreceu o desenvolvimento, o entrelaçamento e a interligação da tríade da especulação urbana: bancos, construtoras/promotoras e proprietários de solos. Após a crise de 1993-1995 e continuando até 2008, o nosso país passou por um período de crescimento geral no qual a construção se tornou uma fonte significativa de rentabilidade capitalista.
O Estado desempenhou um papel claro na liberalização dos solos, financiando o seu desenvolvimento, facilitando o acesso do setor privado em condições vantajosas e garantindo lucros muito superiores às condições gerais de produção. Ao setor da construção civil juntaram-se as linhas de crédito imobiliário para a “classe média”: ou seja, a classe trabalhadora tradicional que suportou a pressão ideológica de um período de crescimento em que o acesso a determinados bens e serviços sustentou a desclassificação de setores crescentes. Os grandes bancos apostam no mercado hipotecário e o Estado incentivou a compra e venda através de ajudas ao crédito.
Como terminou essa história, já sabemos. As casas das mais de 700 000 famílias que foram despejadas durante a crise capitalista de 2008 — através das instituições do Estado capitalista — acabaram nas mãos dos bancos que depois as venderam baratas aos fundos de investimento que agora aumentaram a sua presença e papel especulativo no negócio imobiliário, especialmente nos arrendamentos. Mas, os governos capitalistas através, por exemplo, de municípios como o de Madrid, também aumentaram a liquidez dos especuladores ao disponibilizar grandes quantidades de habitações públicas ao setor privado, permitindo que obtivessem lucros adicionais em comparação com as condições gerais de produção.
O preço da habitação hoje
Os preços das habitações, assim como o aumento das rendas, não são uma questão de boa ou má vontade por parte dos proprietários e arrendatários. É determinado pela forma de mercadoria que a habitação assume no capitalismo, cujo preço é moldado pelo preço dos solos — no capitalismo, tendendo a subir — e pelo capital incorporado nela. O preço da habitação está, portanto, sujeito ao ritmo e às necessidades da produção. Partir dessa premissa é fundamental, porque o que ela significa, em última análise, é que a propriedade da terra e a questão da habitação são problemas de origem capitalista, cuja base material é a queda tendencial da taxa de lucro.
A produção capitalista hoje esforça-se para se tornar cada vez mais flexível e mais sujeita à procura, aspirando criar uma força de trabalho hiperdisponível, mobilizável e adaptável e promove um estilo de vida de acordo com isso. Os bairros populares em frente às fábricas ajustam-se cada vez menos a um país onde a duração média dos contratos de trabalho é de 45,26 dias. Uma parte das habitações às quais a classe trabalhadora tinha acesso nas décadas anteriores liberalizam-se e concorrem no mercado imobiliário e, principalmente, para arrendamento. Embora os proprietários de uma única habitação ainda representem a maioria dos proprietários de habitações no nosso país, o número de grandes proprietários aumentou em 20% na última década.
Ao mesmo tempo, o aperto das hipotecas incentiva o regime de arrendamento cujos preços sofrem aumentos generalizados e exponenciais representa uma barreira para os setores mais vulneráveis da nossa classe, como os jovens, as mulheres trabalhadoras ou a classe trabalhadora migrante. Essa realidade leva a situações de inabitabilidade, impossibilita o desenvolvimento de um projeto de vida independente e reforça as dinâmicas de dependência económica que promovem e/ou reforçam a violência de género. O absurdo capitalista lega-nos mais de três milhões de casas vazias, a maioria delas detida por fundos de investimento e grandes proprietários para fins especulativos, no mesmo ano (2024) em que, apesar da propaganda governamental sobre a sua “proibição”, ocorreram em média 70 despejos por dia, a maioria por falta de pagamento da renda.

Neste sentido, radiografar a estrutura da propriedade no nosso país é essencial para ligar a génese do problema às suas contradições concretas [1] . Hoje, em Espanha, a aquisição de uma casa própria, com ou sem hipoteca, continua a ser o principal modelo de aquisição de casa própria e a maioria da população continua a optar por comprar, mesmo que isso muitas vezes signifique ficar endividado durante décadas. Mas o processo de empobrecimento acima mencionado, somado ao endurecimento e à promoção do arrendamento habitacional, significa que as barreiras à propriedade imobiliária estão a crescer para os sectores da nossa classe acima mencionados. Por outro lado, para aqueles que vivem do seu trabalho, mas conseguiram comprar casa, isso tornou-se um mecanismo para compensar a desvalorização dos seus salários. Longe de ser um antagonismo, como alguns gostariam de apresentar o problema, entre trabalhadores proprietários e não proprietários, a questão tem mais a ver com 1) o processo de empobrecimento geral e desvalorização da força de trabalho e 2) um mercado de preços definido por uma dificuldade cada vez maior dos capitalistas em manter a sua taxa de lucro, a promoção do rentismo e da especulação e a capacidade dos grandes proprietários de imóveis de aumentar os preços.
Nessa situação, as medidas promovidas pelos governos capitalistas, mesmo aquelas que ostensivamente procuram administrar o problema de uma forma que beneficie a maioria trabalhadora, têm-se mostrado incapazes de resolver o problema da habitação, pois não questionam nem a sua natureza de mercadoria nem as contradições sociais que fundamentam a sua existência e constante reaparecimento. Os governos de coligação sociais-democratas que se sucederam desde 2019 abordaram esta situação com as mesmas ferramentas da gestão burguesa destinadas a garantir os interesses capitalistas através da promoção da paz social, apesar de estarmos numa situação cada vez mais contraditória, em que se estreitam as margens de oportunidade para pequenas concessões e migalhas. Isto, em termos concretos, implica uma atitude tímida em relação ao teto dos preços das rendas e da habitação, mesmo no contexto de crescente mobilização social em torno desta questão.
A anunciada Empresa de Habitação Pública servirá principalmente para absorver uma grande parcela das habitações adquiridas pelo Estado para salvar as contas de hipotecas dos bancos após a crise de 2008. O desenvolvimento da “habitação acessível” através de “parcerias público-privadas” é, como historicamente tem sido, mais um mecanismo que visa impulsionar e promover as empresas de construção, na mesma linha do anunciado PERTE (Plano Nacional de Desenvolvimento Habitacional) para a habitação, assente na modernização do setor. Os mecanismos de garantia das rendas aos proprietários, o auxílio às remodelações de apartamentos e redução de imposto sobre as rendas atrelados a planos de auxílio para arrendamento, compra e recuperação de casas para as colocar no mercado, demonstram um conceito baseado na operação da lei da oferta e da procura. Promover os interesses dos bancos, agentes imobiliários e proprietários não é uma solução para o problema da habitação, muito pelo contrário. Não há, nem haverá, soluções que satisfaçam todos.
Que fazer?
O PCTE tem como objetivo garantir que todos tenham direito a uma habitação de qualidade. Para conseguir isso, a única maneira é construir uma oposição da classe trabalhadora e do povo aos governos capitalistas; confiar nas próprias forças, recuperando as ferramentas organizativas que a história demonstrou serem úteis para nos defender e alcançar novas vitórias. Neste sentido, apelamos à participação no dia 5 nas manifestações que estão a ser convocadas em todo o país pelo direito à habitação, com o seguinte programa de luta:
- Uma redução e limitação real e efetiva dos preços das rendas de casa em detrimento dos lucros dos proprietários e não como um mecanismo encoberto para aumentar os preços.
- Acesso a habitação digna no parque habitacional deixado vago e mantido por bancos e fundos de investimento, através de mecanismos como a expropriação sem indemnização.
- Um aumento do salário mínimo ajustado ao Índice de Preços ao Consumidor e uma redução da jornada de trabalho em todos os setores, sem qualquer redução de salários.
- Proibição efetiva de todos os tipos de despejos de famílias trabalhadoras, assim como quaisquer cortes nos serviços básicos.
Para isso, apelamos à organização e à luta para fortalecer a luta coletiva contra a violência dos nossos exploradores, dos especuladores e os governos que os protegem. Apelamos à ligação da luta pela habitação com a luta pelos salários porque ambas constituem uma luta única da classe trabalhadora contra a exploração capitalista. Não se trata apenas de especulação imobiliária: trata-se também do facto de a nossa mão-de-obra valer cada vez menos e os nossos salários estarem a cair em relação ao custo de vida. Ambas as questões representam e personificam a natureza predatória e destrutiva do capitalismo.
Por outro lado, o problema da habitação só poderá ser definitivamente resolvido direcionando e unificando cada luta para a superação revolucionária do capitalismo e a construção de uma nova sociedade: o socialismo-comunismo. E as condições que tornam possível essa superação exigem um forte movimento operário revolucionário, organizado nos centros nevrálgicos da produção capitalista, de onde emanam as relações de poder que aspiramos a transformar. Somente dessa forma, ligando a luta pela habitação, na forma e no conteúdo, com a luta geral da classe trabalhadora, será possível criar uma sociedade na qual os frutos do nosso trabalho satisfarão plenamente as necessidades da maioria trabalhadora, incluindo o direito de cada pessoa de aceder a uma habitação.
Comissão Política do PCTE
Madrid, 27 de março de 2025
[1] https://www.nuevo-rumbo.es/2024/09/05/quien-tiene-casas-en-espana-una-radiografia-de-la-propiedad-de-viviendas/
NE: Tradução e Ilustrações da responsabilidade da Iskra