
Jeffrey Sachs disse com clareza cortante: “Teme-se os Estados Unidos. Mas há que ter ainda mais cuidado com a Europa”. Uma frase que ganha um eco sinistro à medida que observamos a marcha acelerada da União Europeia rumo à guerra, à repressão social interna e à submissão ao capital financeiro. A velha Europa, que outrora se pintava de direitos humanos e civilização, mostra hoje o seu verdadeiro rosto: belicista, hipócrita, decadente.
Não é apenas o apoio incondicional a genocídios como o da Palestina, nem o saque sistemático de recursos do Sahara Ocidental. O mais preocupante é o plano mais profundo e estrutural: a reconversão da crise económica crónica dos países centrais da UE — em especial a Alemanha e a França — num motor de guerra, num ciclo autofágico onde o militarismo é apresentado como solução para a estagnação capitalista.
O Complexo Militar-Industrial Europeu: Uma Segunda Vida para o Capital em Agonia
Com a eclosão da guerra na Ucrânia, o capitalismo europeu viu uma oportunidade. A narrativa da “defesa da democracia” mascarou o que de facto se passou: um salto qualitativo no financiamento das forças armadas, a reativação de linhas de produção militar e uma aceleração na vassalagem económica ao complexo militar-industrial norte-americano.
A Alemanha — epicentro industrial da Europa — transformou-se num caso paradigmático. Desde 2022, fábricas antes dedicadas à produção automóvel, como as da Volkswagen ou Rheinmetall, foram parcialmente reconvertidas para produção de tanques, drones e munições. A mesma Rheinmetall, fundada antes da II Guerra Mundial e que colaborou com o regime nazi, é agora glorificada por reanimar a “defesa europeia”. Um ciclo completo: da guerra para a paz, e da paz de volta à guerra.
Não é coincidência histórica. Após 1945, fábricas que empregavam trabalho forçado de campos de concentração — como as da Siemens, da IG Farben (hoje fragmentada em empresas como Bayer ou BASF), da Hugo Boss ou da própria Volkswagen — foram “lavadas” e inseridas na lógica de consumo capitalista do pós-guerra. Hoje, esse processo dá-se ao contrário: fábricas que produziriam bens civis são redirecionadas para o esforço bélico. Não é só economia: é ideologia, é estrutura.
A Guerra Como Salvação do Capital
O que está em marcha na Europa não é apenas uma campanha de solidariedade com o regime de Zelensky — cuja legitimidade expirou, governando por decreto sob lei marcial — mas a tentativa de salvar um modelo económico exausto. França e Alemanha, pilares da UE, enfrentam inflação persistente, desaceleração industrial, perda de competitividade global e crescente descontentamento social.
Como responde a elite europeia? Com cortes nas pensões, privatizações na saúde e educação, repressão policial e… investimentos colossais em armamento. Alemanha aprovou um fundo de 200 mil milhões de euros para rearmar-se. França segue a mesma linha, ultrapassando os 2% do PIB em despesa militar. Números que contrastam com a estagnação salarial, a crise habitacional e os protestos populares em várias capitais.
A guerra é um negócio. E a Ucrânia tornou-se o principal laboratório: a BlackRock (dos EUA) já controla cerca de 30% das terras agrícolas do país, enquanto os EUA firmam acordos para a exploração de metais raros. A Polónia deseja anexar partes históricas da Ucrânia ocidental. Tudo sob o disfarce de uma ajuda humanitária. Estamos perante uma nova partilha imperial, uma nova vaga de colonialismo.
Hipocrisia Europeia e a Moral Bélica
A Europa repete um discurso moralista que já não engana ninguém. Fala de valores universais enquanto sustenta guerras coloniais, legitima governos autoritários e impõe sanções que destroem economias de terceiros países. A mesma Europa que silenciou os acordos de Minsk — sabotados, como confessou Merkel —, e que celebrou a expansão da NATO até às fronteiras russas, é a que hoje clama por “paz” com mais tanques, mais sanções e mais mortes.
Mas quem paga esta festa são os povos europeus. São os trabalhadores alemães que veem os salários estagnar, os franceses que perdem direitos laborais, os portugueses que enfrentam décadas de precariedade e rendas insustentáveis. Não há dinheiro para escolas, nem para hospitais, mas há sempre para mais armas, mais guerra, mais destruição.
Quando o Espelho Parte: A Guerra como Rutura Histórica
A guerra na Ucrânia poderá terminar — ironicamente — num acordo entre Trump e Putin, com a Europa ausente da mesa, reduzida a espetadora subserviente. Essa possibilidade aterroriza os tecnocratas de Bruxelas, porque expõe a irrelevância geopolítica de uma União Europeia que já não age como ator autónomo, mas como extensão do Pentágono e sobretudo de Wall Street.
O pano está prestes a cair. E quando isso acontecer, as máscaras cairão com ele. A velha Europa, vestida de paz e democracia, aparecerá nua, mostrando aquilo que sempre foi nos momentos decisivos: um continente dominado pelo capital, estruturado pelo militarismo e conduzido pelo medo.
Isabel Lourenço
Foto: https://www.cig.gal/nova/europa-em-guerra-aposta-insana.html