Intervenção sobre a Conspiração de Trotsky na Comintern1 para o ICSS2 de Oakland – 20 de Outubro de 2024 (Parte I/II)
Grover Furr
Gostaria de agradecer aos organizadores do ICSS por me terem convidado para falar sobre o nosso — meu e de Vladimir L. Bobrov — mais recente livro, A Conspiração de Trotsky na Comintern – O Caso de Osip Pyatnitsky.
Antes de mais, gostaria de contextualizar, o que ajudará a expor a sua importância.
O campo académico sobre a história soviética é corrupto. Este existe sobretudo para difundir mentiras anticomunistas e, especialmente, mentiras anti-Estaline, pretendendo conferir-lhes uma aparência de respeitabilidade. Existem boas investigações sobre temas específicos. Contudo, os resultados dessas investigações são sempre enquadrados numa narrativa anti-Estaline. Publiquei dois estudos completos sobre livros influentes que nada mais fazem do que propagar falsidades anti-Estaline como se fossem verdades – Blood Lies (2014) e Stalin Waiting for… the Truth (2019).

Leon Trotsky foi um Fascista
Toda a literatura trotskista, incluindo aquilo que designam de “investigação” sobre o período de Estaline na história soviética é, de igual forma, absolutamente corrupta. Os trotskistas são um verdadeiro culto, tal como o culto em torno de Jesus Cristo. Aceitam todas as mentiras de Trotsky como verdades absolutas. O trotskismo é parasitário das falsidades anticomunistas dominantes, que repete sem qualquer espírito crítico. Abordei este tema com detalhe em quatro dos meus livros.
É fundamental que toda a Esquerda reconheça que Leon Trotsky foi um fascista. Trotsky começou como socialista e tornou-se comunista ao juntar-se ao partido bolchevique, no verão de 1917.
Depois de 1929, Trotsky liderou uma conspiração clandestina a partir do exílio. Através dos seus seguidores na União Soviética, colaborou com os nazis e com os militaristas japoneses. Os trotskistas praticaram espionagem para os nazis e para os japoneses; conspiraram para assassinar líderes soviéticos; organizaram sabotagens económicas que causaram a morte de vários trabalhadores soviéticos; planearam um Golpe de Estado com outros oposicionistas; prepararam uma insurreição em Leninegrado com a ajuda do Alto Comando Alemão; conspiraram com o marechal Mikhail Tukhachevsky e com outros altos comandos militares para abrir a frente militar aos exércitos nazi e japonês em caso de guerra.
Nos seus escritos dos anos 1930, Trotsky mentiu sobre Estaline e sobre as suas próprias atividades – mentiu de uma forma quase inacreditável! Escrevi sobre as suas mentiras , refutando-as em quatro dos meus livros e num capítulo de The Fraud of the “Testament of Lenin”.
Não devemos hesitar em reconhecer que Trotsky foi um fascista. Se fosse outra pessoa a praticar estes actos, não hesitaríamos em aplicar-lhe esse rótulo.
Desde o “Discurso Secreto” de Nikita Khrushchev no 20.º Congresso do Partido Comunista da União Soviética, a 25 de Fevereiro de 1956, acusações contra Joseph Estaline sem qualquer prova dominaram a historiografia académica.
Comecei a descobrir isto há quase 50 anos, quando decidi verificar as acusações contra Estaline no famoso livro de Robert Conquest, The Great Terror – Stalin’s Purge of the Thirties. Nos meados da década de 70 fui muitas vezes à Biblioteca Pública de Nova Iorque para verificar todas as notas de rodapé no livro de Conquest. Descobri que Conquest não tinha qualquer prova para sustentar as acusações feitas contra Estaline. Limitava-se a citar outros livros que faziam as mesmas acusações.
Em 1999, Vladimir L. Bobrov, historiador sediado em Moscovo, contactou-me a propósito de um artigo meu na minha página web. Foi através dele que fiquei a saber que, após o fim da União Soviética, muitos documentos estavam a ser divulgados a partir dos antigos arquivos soviéticos. Com a sua ajuda, comecei a localizar, obter e estudar esses documentos. Depressa percebi que continham provas de fonte primária que refutavam muitas das acusações contra Estaline.
Entre 2005 e 2007, investiguei e escrevi Khrushchev Lied. Aí demonstro que todas as acusações de crime feitas por Khrushchev nesse “Discurso Secreto” contra Estaline e Lavrentii Beria são falsas. Traduzido de forma exemplar para russo por Vladimir, Khrushchev Lied foi publicado em Moscovo, em Dezembro de 2007 e em inglês, em Fevereiro de 2011.
Desde então, escrevi mais de uma dúzia de livros em que analiso acusações contra Estaline à luz de provas primárias provenientes dos antigos arquivos soviéticos. Em mais de 20 anos de estudo ainda não encontrei uma única acusação de crime contra Stalin que pudesse ser sustentada por provas!
Continuam a ser publicados documentos dos antigos arquivos soviéticos. Um exemplo recente é uma carta de I.N. Smirnov à sua filha Olga, após o seu recurso contra a sentença de morte imposta no julgamento de Agosto de 1936. Smirnov foi o líder da clandestinidade trotskista na União Soviética. Continua a ser considerado um “mártir” pelos trotskistas e anticomunistas.
Smirnov escreveu o seguinte à filha:
“Na minha última palavra, disse isto a todos os trotskistas hesitantes: devemos desarmar de forma decisiva e rápida… Lembrem-se de que os homens da Gestapo que figuraram no julgamento não eram apenas rostos públicos, mas fascistas reais e inteligentes. Quer Trotsky queira ou não, a sua periferia está entrelaçada com a Gestapo.”
Aqui, Smirnov diz à filha que não foi “vítima” de Estaline e que o movimento de Trotsky estava ligado à Gestapo nazi — algo que todos os anticomunistas e, claro, todos os trotskistas, sempre negaram.
Começámos em A Conspiração de Trotsky na Comintern por estudar a alegação do filho de Osip Pyatnitsky, Vladimir, de que o seu pai teria sido “incriminado” por Estaline por se lhe opor. Demonstrámos, com provas, que isto é completamente falso. Pyatnitsky não foi incriminado — era culpado, tão culpado quanto o próprio Trotsky!
Nos dois primeiros capítulos, examinámos criticamente a narrativa do historiador Boris Starkov sobre o destino de Pyatnitsky. Provámos que é completamente fraudulenta. Isto é significativo porque o relato de Starkov foi publicado em 1994 na Europe-Asia Studies, a principal revista mundial sobre história soviética. Esta prestigiada revista deveria ter percebido que o artigo de Starkov era uma fraude. Mas, ou estavam cegos pelo seu preconceito anti-Estaline, ou então perceberam e publicaram-no na mesma.
Estudámos a conspiração na Comintern, na qual Pyatnitsky desempenhou um papel de liderança dentro da União Soviética, em conluio com Leon Trotsky, que liderava a conspiração a partir do exílio. Os conspiradores planearam assassinatos de líderes soviéticos, sabotagem da economia soviética, uma insurreição contra o governo no caso de uma invasão por uma potência fascista, o desvio de fundos da Comintern para Trotsky e a colaboração e espionagem para a Alemanha nazi.
Examinamos provas provenientes dos ficheiros de investigação da NKVD relativos a vários dirigentes da Comintern, incluindo Béla Kun, Lajos Magyar, Wilhelm Knorin, Heinz Neumann, Nikolai Bukharin e o próprio Pyatnitsky.
Os capítulos finais traduzem e analisam a acusação, o julgamento, a sentença de morte e a falsa “reabilitação” de Pyatnitsky pelos homens de Khrushchev.
O nosso livro termina com a tradução para inglês de todas as declarações de confissão de Pyatnitsky.
As nossas provas baseiam-se em documentos pacientemente copiados por Vladimir a partir do anteriormente secreto arquivo da NKVD em Moscovo.
- Essas provas refutam a alegação de que Osip Pyatnitsky teria desafiado Estaline no Plenário do Comité Central de Junho de 1937.
- Expondo como fraudulenta a “reabilitação” de Pyatnitsky da era Khrushchev, desmascaramos mais um dos muitos relatórios de “reabilitação” sobre pessoas condenadas durante os anos 1930. Estas condenações são ainda hoje frequentemente atribuídas à alegada paranóia ou brutalidade de Estaline. Demonstramos que isto é totalmente falso.
- Refutamos a acusação — praticamente unânime entre os historiadores — de que o partido soviético, ou seja, Estaline, “controlava” a Comintern.
- Discutimos parte da abundante evidência de que Leon Trotsky e os seus seguidores clandestinos dentro da União Soviética colaboraram com os nazis, sabotaram a economia e conspiraram para assassinar líderes soviéticos.
No seu livro de fontes de 1999 sobre o Partido Bolchevique durante os anos 1930, Arch Getty e Oleg V. Naumov escreveram:
“… aparentemente, havia pouca diferença entre os pensamentos privados dos líderes estalinistas e as suas posições públicas. Parecem realmente ter acreditado na existência de uma vasta conspiração.” (p. 455)

Em 1999, era praticamente inaudito que um académico da área da história soviética afirmasse que Stalin, longe de “forjar” acusações contra pessoas inocentes, acreditava sinceramente que as conspirações eram reais.
No entanto, Getty não deu o passo lógico seguinte. Não perguntou: Quais são as provas relativas a esta pretensa conspiração? Existe alguma prova de que a conspiração era fictícia, uma invenção talvez de Nikolai Yezhov e dos seus subordinados na NKVD? Ou existe prova de que a conspiração era genuína e que os condenados por nela participarem eram de facto culpados?
Uma dúzia de anos depois, V.N. Khaustov, outro historiador “mainstream” e anticomunista do período de Estaline concluiu que Estaline acreditava nos relatórios enviados pela NKVD:
“O mais assustador foi que Estaline tomou decisões com base em confissões que eram resultado de invenções de certos funcionários dos órgãos de segurança do Estado. A reação de Estaline [a essas confissões] é prova de que ele as levou totalmente a sério.”
Tal como Getty e Naumov, Khaustov conclui que Estaline acreditava na informação sobre conspirações fornecida por Yezhov, o chefe (Comissário) da NKVD. Todos concordam que Stalin não “incriminou” ninguém. Mas Khaustov também não foi capaz de admitir sequer a possibilidade de que a conspiração fosse real.
Porquê?
Porque aceitar a possibilidade de que as conspirações fossem genuínas desmantelaria a historiografia do período de Estaline construída desde Khrushchev e, na verdade, desde os escritos de Trotsky nos anos 1930. Derrubaria a falsa imagem de Estaline como um ditador assassino que eliminou milhares de comunistas leais. Refutaria o trabalho de gerações de historiadores que adotaram a versão da história soviética de Khrushchev / Gorbatchov / Trotsky.
O Paradigma Anti- Estaline
Chamei a este fenómeno o “paradigma anti- Estaline “. No estudo profissional da história soviética existe uma regra não escrita segundo a qual Estaline deve ser assumido como culpado de muitos assassínios e outros crimes.
Além disso, uma vez que Estaline é acusado de um crime, considera-se de mau gosto, senão mesmo “tabu”, investigar as provas e concluir que Estaline, de facto, não era culpado. A culpa de Stalin é assumida à partida, independentemente da ausência de provas.
Qualquer historiador que se atreva a concluir que existiram conspirações reais, que Estaline e a liderança soviética enfrentaram ameaças mortais genuínas ao Estado soviético, simplesmente não será publicado em revistas históricas mainstream nem por editoras académicas respeitáveis. E esse historiador perderia o seu emprego, porque a publicação é essencial para obter estabilidade e promoção na carreira académica.
A verdade — óbvia para quem estude as fontes primárias com espírito de objectividade — é que essas graves conspirações foram reais. Existe uma quantidade enorme de provas nos antigos arquivos soviéticos que o confirmam. Estudámos e analisámos muitas dessas provas em livros anteriores.
Osip Pyatnitsky e a Conspiração da Comintern
Em 1955, Pyatnitsky foi declarado “reabilitado”, uma vítima de uma alegada cilada de Estaline. Pouco depois, a conspiração Direita-Trotskista dentro da Comintern foi declarada uma invenção. Desde então, todos os condenados nos três Julgamentos Públicos de Moscovo foram “reabilitados”.
No nosso livro, analisámos o relatório de “reabilitação” de Pyatnitsky de 1955 e o conceito de “reabilitação” em si. Tomámos nota de que todas as “reabilitações” da era Khrushchev e da era Gorbatchov — aquelas a que temos acesso hoje — são fraudulentas. Nenhuma contém provas de que o condenado fosse realmente inocente.
Apresentamos o texto de alguns dos relatórios enviados a Estaline que mencionam Pyatnitsky. Como concordam Getty/Naumov e Khaustov, Estaline aceitou estes relatórios como genuínos. Estaline acreditava que estava a agir decisivamente contra conspirações anti-soviéticas que representavam uma séria ameaça à segurança da URSS. As provas disponíveis hoje mostram que Estaline estava certo.
Confissões como Prova
Muitas pessoas, incluindo historiadores que deveriam saber melhor, assumem que as confissões são duvidosas ou inválidas como prova, por poderem ter sido obtidas através de violência ou ameaças. Estas pessoas descartam a evidência contida nas confissões, raciocinando da seguinte forma:
Como muitas vezes não há “prova material” — por exemplo, documentos que descrevam a conspiração encontrados nas casas dos acusados, assinados por eles — a única prova são as confissões. Mas como confissões podem ser forjadas e sabemos que a NKVD forjou muitas, os acusados devem ser considerados inocentes e os julgamentos considerados farsas.
De facto, os anticomunistas usam frequentemente a palavra “farsa” para descrever os três Julgamentos de Moscovo (1936, 1937, 1938). Quem utiliza o termo “farsa” está, talvez inconscientemente, a admitir que não tem provas de que os julgamentos foram forjados — apenas assumem que o foram.
Este raciocínio é errado. Toda a prova — documentos, objetos materiais, testemunhos — pode ser forjada. E é tão ou mais difícil convencer revolucionários experientes a confessarem falsamente do que falsificar documentos com assinaturas forjadas.
Confissões são tão suscetíveis de serem falsificadas quanto qualquer outra prova. O historiador deve estudar cuidadosamente as confissões, compará-las com outras provas, procurar coerências e inconsistências.
A acusação soviética apresentou provas “materiais” no Segundo e no Terceiro Julgamentos de Moscovo. Contudo, os anticomunistas e trotskistas simplesmente ignoram-nas, confiando que poucos irão ler os extensos registos dos julgamentos (600 a 800 páginas) e descobrir que, de facto, havia provas.
1 NT Internacional Comunista, do inglês Communist International, (Comintern) ou (Komintern)
(do alemão Kommunistische Internationale), também conhecida como Terceira Internacional.
2 NT Institute for the Critical Study of Society