A atitude da social-democracia em relação à guerra imperialista

Ástor García, Secretário-geral do CC do Partido Comunista dos Trabalhadores da Espanha (PCTE)

“Mas quanto mais os governos e a burguesia de todos os países tentam desunir os trabalhadores e colocá-los uns contra os outros, e quanto mais selvaticamente eles impõem, para esse objetivo elevado, a lei marcial e a censura militar (…), mais urgente é o dever do proletariado consciente defender a sua solidariedade de classe, o seu internacionalismo e as suas convicções socialistas contra o chauvinismo desenfreado das cliques burguesas “patrióticas” em todos os países”

 A guerra e a social-democracia russa. Lenine.

1. Introdução

A guerra imperialista que devastou a Europa entre 1914 e 1919 marcou a rutura total dentro da social-democracia, entendendo-se como tal o movimento operário revolucionário marxista que se desenvolveu entre o final do século XIX e o início do século XX.

A principal consequência, em termos organizativos, dessa rutura político-ideológica foi a criação, em março de 1919, da Internacional Comunista, após o triunfo da Grande Revolução Socialista de Outubro na Rússia, que demonstrou o sucesso da tática dos bolcheviques, não apenas na sua abordagem revolucionária, mas precisamente na incorporação da luta frontal contra a guerra imperialista como uma faceta essencial dela.

O vergonhoso colapso da internacional social-democrata exigiu uma mudança de nome, como os documentos do Primeiro Congresso da Internacional Comunista refletiam claramente, daí o uso do termo comunista para se distinguir completamente das posições que levaram os proletários do mundo a serem carne para canhão em benefício dos capitalistas e dos seus governos.

No entanto, com o passar dos anos, as mesmas posições oportunistas que corroeram a Segunda Internacional começaram a ganhar terreno dentro de muitos partidos comunistas e operários. Hoje não é difícil encontrar partidos autoproclamados comunistas cuja prática política difere apenas na retórica daquela dos partidos social-democratas que fazem parte da Internacional Socialista (IS).

Sobre a questão da guerra imperialista e a posição em relação às alianças imperialistas, é fácil detetar o afastamento dos partidos social-democratas das posições revolucionárias. Mas isso não é um fcato isolado, mas sim uma consequência da aceitação geral de teses oportunistas, entre as quais os principais destaques são a negação da luta de classes e a consideração do capitalismo como um caminho de sentido único, sem alternativa possível.

A aceitação das bases político-económicas da sociedade capitalista leva inevitavelmente à aceitação da continuidade da política por outros meios, ou seja, a guerra. Isso acontece mesmo que muitos partidos da grande família social-democrata expressem teoricamente a sua oposição às guerras ou a certos resultados das guerras, numa triste reedição dos lamentos proferidos pelos líderes social-democratas alemães ou franceses logo depois de terem apoiado os créditos de guerra.

A posição da social-democracia contemporânea em relação às guerras é uma posição objetivamente contrarrevolucionária. Enquanto proclamam o pacifismo como critério orientador da sua posição sobre qualquer fenómeno da guerra, consentem a participação em guerras de rapina, ajudam a fortalecer as alianças políticas, económicas e militares imperialistas e justificam as guerras aos olhos das massas. Ao mesmo tempo, esforçam-se por negar a validade das posições internacionalistas que, aprendendo com a experiência histórica de nosso movimento, assumem que cada guerra deve ser avaliada com base no materialismo histórico e que, na época do imperialismo, as guerras dão-se geralmente pela distribuição de mercados, fontes de matérias-primas, esferas de influência e rotas de transporte de mercadorias.

2. A guerra imperialista e a atitude dos comunistas

A guerra imperialista é um produto das condições da etapa imperialista do desenvolvimento capitalista e é travada para a exploração política e económica do mundo, para o controle dos mercados de exportação, para as fontes de matérias-primas, as esferas de influência e investimento do capital e para o controle das rotas de transporte de mercadorias.

Essa definição é essencialmente a mesma que a esquerda de Zimmerwald deu na sua proposta de resolução, em agosto de 1915, ou a aprovada pela Conferência do POSDR no início do mesmo ano. Se ela permanece válida mais de um século depois, é porque a humanidade ainda não abandonou a etapa imperialista do capitalismo e porque as relações entre países e alianças no nosso tempo continuam essencialmente nos mesmos termos de então.

O facto de já não podermos já falar sobre a existência de colónias no mundo ou que as potências imperialistas europeias perderam relevância ao longo destes cem anos não diminui a validade das nossas afirmações. Hoje não é possível afirmar que as contradições interimperialistas ou as crises capitalistas, que estão na origem das guerras imperialistas, tenham desaparecido.

A existência da União Soviética e do campo socialista durante grande parte do século XX não diminui a validade do exposto e, acima de tudo, não nega o facto de que as duas guerras mundiais do século XX tiveram a sua origem na agudização das contradições interimperialistas. [1]

A atitude dos comunistas em relação à guerra imperialista é clara e é essencialmente a mesma de 1914. Como Lenine observou em O Socialismo e a Guerra:

Os socialistas sempre condenaram as guerras entre nações como bárbaras e brutais. Mas a nossa atitude em relação à guerra é fundamentalmente diferente daquela dos pacifistas burgueses (partidários e defensores da paz) e dos anarquistas. Divergimos dos primeiros porque entendemos a conexão inevitável entre as guerras e a luta de classes dentro de um país; entendemos que a guerra não pode ser abolida a menos que as classes sejam abolidas e o socialismo seja criado; também diferimos na medida em que consideramos as guerras civis, isto é, as guerras travadas por uma classe oprimida contra a classe opressora, por escravos contra proprietários de escravos, servos contra proprietários de terras e trabalhadores assalariados contra a burguesia, como totalmente legítimas, progressivas e necessárias. Nós, marxistas, diferimos tanto dos pacifistas quanto dos anarquistas na medida em que consideramos necessário estudar historicamente (do ponto de vista do materialismo dialético de Marx) cada guerra separadamente.

Essa necessidade de estudar historicamente cada guerra em particular, somada à análise específica de como os diferentes países e o mundo em geral evoluíram em termos económicos e políticos, é uma lição que não pode ser esquecida. Mas, acima de tudo, não se pode deixar de lado a caracterização, como já faziam os líderes traidores da II Internacional em 1914, como guerras “defensivas” ou guerras “justas” que nada mais são do que exemplos claros de guerras entre proprietários de escravos por uma distribuição “mais equitativa” dos escravos.

No nosso tempo, como então, identificar corretamente as verdadeiras causas por trás de cada guerra tem uma importância crítica. Além disso, é importante levar a cabo uma luta decidida contra as posições que, sob as premissas pacifistas burguesas, tentam convencer a classe trabalhadora e a maioria popular da necessidade de apoiar um ou outro poder em conflito.

A evolução da social-democracia, desde a falência da II Internacional até os dias atuais, tem sido um retrocesso constante. As posições defendidas então pelos Ebert, pelos Debreuils, pelos Südekums ou pelos Guesdes são hoje essencialmente representadas pelos partidos das duas grandes famílias da social-democracia contemporânea – uma delas, os partidos sociais-democratas que são membros da Internacional Socialista e herdeiros diretos desses líderes; a outra, os antigos partidos comunistas que viveram ao longo do século XX um processo de mutação social-democrata que os levou a fundir-se com outras correntes contrarrevolucionárias e, a partir daí, à participação conjunta em governos de gestão capitalista, como na Espanha desde 2020.

Isto acontece porque o oportunismo é o elemento que caracteriza todos eles. Como os bolcheviques russos observaram em 1914, o colapso da Segunda Internacional foi o colapso do oportunismo:

O colapso da Segunda Internacional é o colapso do oportunismo, que se desenvolveu a partir das características de um período da história já passado (e chamado “pacífico”), e nos últimos anos praticamente dominou a Internacional. Os oportunistas há muito preparam o terreno para esse colapso, negando a revolução socialista e substituindo-a pelo reformismo burguês; rejeitando a luta de classes com a sua inevitável conversão em certos momentos em guerra civil, e pregando a colaboração de classes; pregando o chauvinismo burguês sob o disfarce do patriotismo e da defesa da pátria, e ignorando ou rejeitando a verdade fundamental do socialismo, há muito exposta no Manifesto Comunista, de que os trabalhadores não têm pátria; limitando-se, na luta contra o militarismo, a um ponto de vista sentimental e filisteu, em vez de reconhecer a necessidade de uma guerra revolucionária dos proletários de todos os países, contra a burguesia de todos os países; fazendo um fetiche da utilização necessária do parlamentarismo burguês e da legalidade burguesa, e esquecendo que as formas ilegais de organização e propaganda são imperativas em tempos de crise.

A principal diferença entre o nosso tempo e o início do século XX é que a social-democracia contemporânea não esconde que toma partido a favor de uma ou outra potência ou aliança imperialista, a sua tolerância ou aceitação das agressões imperialistas que ocorrem ano após ano no mundo. A social-democracia naturalizou as guerras imperialistas porque naturalizou o imperialismo e não é capaz de oferecer nenhuma alternativa, nem no papel nem na prática. A sua proposta “socialista” nada mais é do que uma proposta de gestão capitalista baseada na negação das tendências do capitalismo e com o objetivo de convencer a classe trabalhadora e os setores populares de que não há alternativa senão dentro do capitalismo. Mas eles esquecem que o capitalismo é um “pacote completo”, cujas tendências e dinâmicas não dependem da vontade dos gestores políticos. Portanto, as guerras, o empobrecimento e o crescimento da miséria são-lhe inerentes e não podem ser erradicados enquanto o capitalismo sobreviver.

3. A social-democracia europeia após a Primeira Guerra Mundial

A Primeira Guerra Mundial foi o catalisador das contradições que já estavam presentes na social-democracia. A crise que desencadeou revelou os verdadeiros objetivos da maior parte do movimento social-democrata, que traiu completamente tudo o que vinha dizendo até então, conseguindo assim distanciar significativamente setores importantes da classe trabalhadora das posições revolucionárias e colocá-los ao serviço das classes dominantes, não apenas como força de trabalho, mas também como carne para canhão.

A rejeição da revolução socialista, o compromisso com o reformismo burguês e a conciliação de classes marcariam desde então a posição principal das forças da social-democracia, que também renunciaram a tirar proveito da situação criada na etapa final da guerra num sentido revolucionário. Aqueles que tinham violado todos os acordos e princípios apoiando créditos de guerra, aceitando discursos chauvinistas e decretando o fim da luta de classes nos seus respetivos países em 1914, também não iriam, no final de 1918, levar em conta as diretrizes aprovadas onze anos antes na resolução contra o militarismo do Congresso de Stuttgart, que ordenava a todos os partidos da Internacional que “aproveitassem a crise económica e política criada pela guerra para agitar os estratos mais profundos do povo e precipitar a queda da dominação capitalista”.

Apesar dessa traição, o movimento operário revolucionário foi capaz de continuar a avançar. O triunfo da Grande Revolução Socialista de Outubro na Rússia demonstrou que a posição revolucionária sobre a guerra imperialista, inevitavelmente ligada à luta contra o oportunismo, era capaz de “acelerar a queda da dominação capitalista”. Naquela época, os ex-líderes da Internacional e seus partidos já avançavam no caminho da gestão dos interesses da burguesia, participando em governos e adotando um papel ativo na repressão das sublevações revolucionárias que começaram a acontecer na Europa Central e Oriental.

Após o triunfo da classe trabalhadora na Rússia, a divisão na socialdemocracia internacional foi completamente confirmada: a ala direita, representada pelos revisionistas e agora convertida em partido burguês; a ala esquerda, representada pelos comunistas, com os bolcheviques na vanguarda; e a ala centrista, formalmente marxista e que na prática se adaptou ao oportunismo, alegando procurar a unidade e a paz no partido.

A burguesia, assustada com a evolução dos acontecimentos na Rússia, soube tirar proveito da situação e, contando com os revisionistas e o centro, foi capaz de fazer abortar várias sublevações revolucionários. Nesse sentido, destaca-se o papel do SPD alemão, pois foi fundamental na contenção da sublevação de Kiel, em novembro de 1918, ou na repressão contra a sublevação espartaquista de janeiro de 1919. A sua intervenção no assassinato de Karl Liebknecht e Rosa Luxemburgo evidenciou que a social-democracia alemã não apenas apoiou as forças burguesas, como foi um agente ativo na defesa da estabilidade burguesa após o desastre da guerra. Com esta ação, a social-democracia confirmou para sempre o seu papel contrarrevolucionário.

Como se observa no nosso artigo no nº 3 da Revista Comunista Internacional, no período entre guerras — estando a Terceira Internacional já criada — a social-democracia internacional foi dominada pelo setor centrista, que continuou na sua linha de aprovação de resoluções formalmente revolucionárias e marxistas, mas curvando-se na prática às exigências da direita, a ponto de forçar, em numerosos casos, a participação da socialdemocracia em gabinetes burgueses, sozinha ou em coligação.

O SPD alemão participou várias vezes nos governos da República de Weimar em coligação com forças centristas e de direita. O Partido Trabalhista britânico governou em 1924, apoiado pelos liberais, e mais tarde entre 1929 e 1931. O SPÖ austríaco governou entre 1918 e 1920 na forma da grande coligação com os social-cristãos. O S/SAP da Suécia alternou a sua presença no governo e na oposição parlamentar nas décadas de 1920 e 1930. O Partido Social-Democrata Dinamarquês governou ininterruptamente de 1924 a 1940, chegando mesmo a chefiar o governo de cooperação com a ocupação nazi do país. O Partido Trabalhista Norueguês também participou em vários governos entre 1928 e 1940.

Especialmente nos países nórdicos, a velha social-democracia não só se distanciou formalmente do marxismo e se opôs à própria ideia de revolução, como também participou ativamente na definição e execução dos chamados “grandes compromissos” (como o acordo de Saltsjöbaden, na Suécia, ou o acordo de Kanslergade, na Dinamarca) que lançaram as bases para o que mais tarde seria apresentado como a grande conquista da socialdemocracia europeia: o chamado “Estado de Bem-Estar”, baseado na política de supressão da luta de classes e na promoção de projetos económicos e políticos “transversais”, tudo envolvido num firme anticomunismo.

Por outro lado, a assunção, pelos socialdemocratas britânicos e franceses, da tese de Chamberlain sobre a “política de apaziguamento” das potências nazi-fascistas durante a segunda metade da década de 1930, contribuiu decisivamente para a recusa dessas potências em fornecer ajuda ao campo republicano durante a guerra revolucionária nacional de 1936-1939 na Espanha. [4] Essa atitude expressou, mais uma vez e dolorosamente, que a social-democracia reeditou a união sagrada em todas as esferas da política e da economia, relegando assim as tarefas internacionalistas para trás de supostos interesses nacionais.

Após o fim da Segunda Guerra Mundial, a burguesia enfrentou um cenário caracterizado pelos seguintes elementos:

  • o triunfo sobre o nazi-fascismo, no qual a URSS e o Exército Vermelho desempenharam um papel essencial.
  • os sucessos na construção do socialismo na URSS.
  • a expansão do bloco socialista mundial para toda uma série de países.
  • o desenvolvimento de contradições nos países capitalistas da Europa Ocidental, como resultado da destruição das forças produtivas realizada pela guerra.
  • a redução da base material do capitalismo.
  • o enorme prestígio do Movimento Comunista Internacional entre as massas trabalhadoras do Ocidente.

Sob tais circunstâncias, a social-democracia mais uma vez desempenhou um papel contrarrevolucionário e deu o seu último e definitivo passo no processo de mutação de força meramente oportunista para a força burguesa no sentido estrito, colocando-se entre os liberais e o comunismo. Não só assumiu um papel de apoio à estabilização do capitalismo na Europa Ocidental, como também assumiu uma atitude de liderança em todo o processo de reorganização da exploração capitalista na região. Eles fizeram isso aproveitando dois fatores: as experiências de colaboração de classes nos países nórdicos e as enormes quantias de dinheiro do Plano Marshall.

4. A social-democracia europeia depois de 1945. A fundação das alianças imperialistas

Este processo refletiu-se numa “refundação” da social-democracia, que veio em conjunto com uma nova organização internacional: a Internacional Socialista, criada em 1951 em Frankfurt.

A declaração de Frankfurt de 1951 [5] da IS, redigida principalmente pelo SPD, já estabelecia vários elementos-chave que marcavam o curso a ser seguido pela social-democracia. Por um lado, o abandono do marxismo, equiparando-o a “outros métodos de análise da sociedade, sejam eles inspirados por princípios religiosos ou humanitários”. Por outro lado, um anticomunismo aberto e honesto, dizendo que “distorce a tradição socialista” e que é um “novo imperialismo”, e uma conceção de paz e segurança baseada na necessidade de “um sistema de segurança coletiva” que leve em consideração que “o comunismo internacional é o instrumento de um novo imperialismo”.

O programa de Bad Godesberg, aprovado em 1959 e considerado o documento político-ideológico essencial da social-democracia após a Segunda Guerra Mundial, na verdade seguiu o caminho traçado em Frankfurt, mas deu um passo essencial em relação aos sistemas de segurança coletiva, indicando a necessidade de criar “sistemas de segurança regional dentro das Nações Unidas”, acrescentando que “a Alemanha reunificada deve ser um membro, com todos os direitos e deveres, de um sistema de segurança europeu”.

Alguns anos depois, a declaração de Oslo de 1962 do Conselho da IS [6] deu um passo adiante e afirmou o seguinte:

«As Nações Unidas muitas vezes ajudaram a resolver disputas entre nações. No entanto, na sua forma atual, não está em condições de conceder proteção a um país vítima de agressão e de garantir a segurança de todos os países. Nestas circunstâncias, cada nação deve assumir a responsabilidade pela sua própria segurança. Alguns consideram que uma política externa de não-alinhamento serve melhor a segurança e a estabilidade política na sua própria área. A Internacional respeita o desejo das nações de serem livres para seguir o seu destino sem compromissos nas relações de poder do mundo. A maioria das democracias ocidentais juntou-se para formar a Aliança da NATO. Os partidos socialistas democráticos dos países da Aliança consideram este um poderoso baluarte da paz e declaram a sua firme determinação em apoiá-lo».

Estas palavras não eram nada além de uma conclusão lógica do processo que vários dos partidos social-democratas europeus tinham seguido desde 1948. Não se deve esquecer, em primeiro lugar, que antes do nascimento da NATO em 1949, foi fundada em 1948 a União Ocidental “como resposta aos movimentos soviéticos para impor o controlo sobre os países da Europa Central” [7] através do Tratado de Bruxelas [8] assinado entre a Bélgica, a França, o Luxemburgo, a Holanda e o Reino Unido, com os ministros das Relações Exteriores social-democratas do Reino Unido (Ernest Bevin) e da Bélgica (Paul-Henri Spaak) assinando também. Por outro lado, não se deve esquecer que a NATO reivindica que a sua autoridade e legitimidade deriva da Carta das Nações Unidas e é originalmente considerada um tratado regional de segurança coletiva.

A social-democracia participou ativamente na criação da NATO. Dos 12 países fundadores em 1949, quatro deles (Bélgica, Dinamarca, Noruega e Reino Unido) tiveram governos social-democratas ou trabalhistas. Paul-Henri Spaak tornar-se-ia Secretário-Geral da Aliança entre 1957 e 1961. Depois dele, outras figuras social-democratas como Willy Claes, Javier Solana, George Robertson ou Jens Stoltenberg também se tornariam secretários-gerais. Isso não deixa dúvidas sobre o apoio da social-democracia a todas as agressões imperialistas desencadeadas pela NATO, independentemente de quais tenham sido as declarações ou resoluções da Internacional Socialista e dos seus membros desde sua criação.

Quanto à União Europeia, as iniciativas de integração económica e política não foram recebidas com entusiasmo por todos os partidos social-democratas europeus nas fases iniciais, apesar de figuras social-democratas relevantes estarem empenhadas nelas. Tal falta de entusiasmo deveu-se principalmente à prioridade, atribuída na época, aos interesses económicos e políticos nacionais, sem que isso implicasse uma clara oposição ao processo. Especificamente, a posição dos partidos espanhóis e portugueses fez um importante esforço para vincular a participação dos seus países nas estruturas europeias ao fortalecimento do sistema democrático-burguês que emergiu após suas respetivas ditaduras fascistas, mas acima de tudo à “abertura e liberalização económica” que isso significaria. [9]

Apesar dos diferentes caminhos e ritmos da social-democracia europeia em relação ao processo de integração capitalista europeu, o momento decisivo veio com o Tratado de Maastricht, em 1992, quando a União Europeia foi fundada como a conhecemos hoje. Isso foi apoiado com entusiasmo por todos os partidos social-democratas. Não se deve esquecer que, naquela época, as teses de Blair e Schröder sobre o “novo centro” ou a “terceira via” – que obscureceriam as diferenças político-ideológicas entre liberais e social-democratas no período subsequente – já estavam a ser forjadas.

5. A evolução da social-democracia espanhola

Na Espanha, como já foi mencionado, a social-democracia abraçou entusiasticamente a ideia de se juntar à construção do polo imperialista europeu. No entanto, em relação à NATO, o processo foi mais longo devido às condições particulares do país em comparação com outros países europeus em que o fim da Segunda Guerra Mundial resultou na consolidação das democracias burguesas.

A inexistência prática do Partido Socialista durante décadas na luta contra a ditadura de Franco fez com que, no momento em que começou a tornar-se um partido necessário para a etapa a seguir ao fim da ditadura de Franco —com o inestimável apoio da Internacional Socialista—, adotou temporária e taticamente algumas das posições de referência em questões internacionais defendidas pelos comunistas, como foi especificamente o caso da NATO. Assim, o PSOE manteve, nos seus congressos antes de entrar no governo em 1982, e ainda por algum tempo, uma posição negativa formal sobre a entrada e permanência na NATO.

O Partido Socialista Operário Espanhol propôs, nos documentos dos seus congressos anteriores à sua entrada no governo (1982), a rejeição das bases militares dos EUA (27º Congresso) e da entrada da Espanha na NATO (28º Congresso), com base Numa posição muito semelhante à mantida pelos sociais-democratas alemães na década de 1950, ou seja, uma abordagem teórica de não alinhamento com qualquer um dos dois principais “blocos” em conflito, o que os levou a insistir em se distanciar da NATO e do Pacto de Varsóvia. Isso já estava, sem dúvida, longe das abordagens de outros partidos socialistas europeus.

O Congresso Extraordinário do PSOE de 1979 entrou para a história por ser o Congresso em que ocorreu a renúncia ao marxismo, nos mesmos termos em que foram formulados em Bad Godesberg. Uma mudança na tendência começou a tornar-se explícita desde então, devido, entre outros fatores, à importante influência que principalmente os sociais-democratas alemães e suecos exerceram sobre os novos líderes socialistas espanhóis. [10]

No seu 30º Congresso (1984), o PSOE concordou em submeter a entrada da Espanha na NATO —o que tinha acontecido em 1982— a um referendo, expressando o seu desacordo com a forma como a adesão à aliança tinha sido realizada pelo governo anterior (“de forma impensada, apressada e gratuita, quebrando o consenso das forças políticas representativas, não levando em conta os interesses nacionais e sem uma explicação suficiente ao povo espanhol”) mas, ao mesmo tempo, incluindo dois elementos de extrema relevância na sua posição: a necessidade de reconstruir o “consenso nacional” para que o resultado do referendo tivesse amplo apoio, e levando em consideração “os equilíbrios existentes” (no nível internacional) para que a tensão internacional “não seja afetada negativamente pelo resultado do referendo”. Duas questões que, pela sua formulação, já anunciavam uma posição favorável à permanência na NATO.

Finalmente, o PSOE, que em 1982 tornou famoso, desde o início, a palavra de ordem “NATO, NÃO” e lançou a palavra de ordem “Vote Sim, no interesse da Espanha”, em 1986. O referendo terminou com 56,85% a favor da continuidade na NATO. Um exemplo de “consenso nacional”. Javier Solana, ministro da Cultura do PSOE em 1986, tornar-se-ia secretário-geral da NATO entre 1995 e 1999 e foi diretamente responsável pelos bombardeamentos contra a Jugoslávia naquele ano.

6. O papel da nova social-democracia

O processo de mutação oportunista que ocorreu nos partidos da Segunda Internacional foi posteriormente reproduzido no Movimento Comunista Internacional, de uma forma que já avaliámos no nosso artigo no RCI nº 2. [11]

As teses eurocomunistas, muito presentes em vários partidos comunistas e operários na segunda metade do século XX, proclamavam mais uma vez a defesa da colaboração de classes, o abandono da ideia da revolução socialista e dos métodos revolucionários de luta, e a transformação da legalidade burguesa em fetiche, auxiliada pelo avanço de posições oportunistas no PCUS, especialmente desde o seu 20º Congresso.

Na Espanha, o eurocomunismo participou ativamente e liderou a campanha do “não” no referendo da NATO em 1986. Foi precisamente nesse processo que a Esquerda Unida – uma coligação que contou com a participação de forças sociais-democratas opostas ao PSOE – foi fundada. Nos 35 anos seguintes, em que se tentou formar governos de coligação sociais-democratas em várias ocasiões, a nível local e regional, a linguagem e as atitudes sociais-democratas tornaram-se hegemónicas dentro deles, na medida em que, ao participarem em governos nacionais com o PSOE, evoluíram para posições de aceitação da presença na NATO. Nesse sentido, as palavras do Secretário-Geral do PCE, Enrique Santiago, quando questionado sobre sua posição sobre a cimeira da NATO em Madrid (julho de 2022), organizada pelo governo do qual fazia parte —como Secretário de Estado da Agenda 2030—, são absolutamente esclarecedoras. [12]

Paralelamente, outras organizações que surgiram posteriormente na esfera da social-democracia, principalmente o PODEMOS e, mais recentemente, o Sumar, mantêm posições retóricas muito alinhadas com o pacifismo burguês que Lenine e os revolucionários já denunciavam no início do século XX. Nos seus documentos programáticos, eles expressam-se claramente a favor da “autonomia estratégica” da União Europeia, propondo “um novo esquema de segurança coletiva para a Europa que ultrapasse o atual guarda-chuva da NATO e se baseie nos interesses da nossa região” [13] ou “a mudança progressiva das garantias de segurança da NATO para uma autonomia estratégica abrangente, ao serviço dos cidadãos europeus e não da indústria de armamento, um espaço de segurança europeu sujeito ao controle democrático”. [14] O “distanciação” da NATO (nem mesmo a sua “dissolução”, como propõem outros partidos oportunistas de outros países) não é por causa da sua natureza imperialista, mas por causa da necessidade de promover a autonomia estratégica europeia que permita à aliança imperialista que a UE é defender melhor os seus interesses no mundo, sob o comando do “multilateralismo democrático”, “justiça climática global” e uma “política externa feminista”.

A aceitação de cada um dos elementos essenciais da política da União Europeia e a aceitação da presença dentro da NATO são uma expressão do colapso da nova social-democracia europeia, preocupada exclusivamente em manter a sua presença nos governos de gestão capitalista.

7. Conclusão: a luta comunista contra a social-democracia e a guerra imperialista.

A luta comunista contra a social-democracia permanece dentro de parâmetros muito semelhantes aos de 1914, apesar dos anos que se passaram. A natureza oportunista da social-democracia não está oculta na substância ou na forma, e as experiências de gestão capitalista das forças da nova social-democracia agravaram esta situação.

A tarefa dos comunistas permanece, portanto, denunciar e revelar a natureza desses partidos, agora especialmente em matéria de política externa, considerando os eventos que estão a ocorrer na Palestina e na região do Mar Vermelho. A social-democracia está a proceder não apenas para legitimar as posições de Israel, da UE e da NATO, mas está na prática a quebrar o movimento de solidariedade com a Palestina com o objetivo de promover as posições do governo espanhol. A atual recusa em participar na operação “Guardião da Prosperidade” não altera o facto de estarmos num momento em que mais tropas espanholas estão implantadas no exterior e que a Espanha participa ativamente de todas as manobras e operações das alianças imperialistas das quais é membro.

É evidente que a social-democracia europeia está a promover os planos belicistas da União Europeia, no contexto da preparação de uma grande guerra imperialista. A retórica do pacifismo burguês não esconde a prática política de acordo com os interesses dos monopólios europeus e o seu total compromisso com a defesa e promoção de tais interesses.

O Segundo Congresso do PCTE estabeleceu como uma das suas prioridades intervir decisivamente na luta contra as guerras imperialistas e contra a adesão da Espanha a qualquer aliança imperialista, priorizando o seguinte:

  • a oposição a toda agressão imperialista, enfatizando o internacionalismo e o direito de todos os povos a escolherem a sua forma de desenvolvimento;
  • a explicação à classe e ao povo dos interesses da burguesia espanhola nas diferentes operações imperialistas em que participa direta ou indiretamente e os diferentes interesses imperialistas que estão em jogo em cada conflito;
  • a exigência da retirada unilateral da Espanha de todas as alianças imperialistas de que faz parte, especialmente da UE e da NATO, e o encerramento de bases militares estrangeiras em território espanhol;
  • a promoção dos Comités de Solidariedade entre os Povos e pela Paz (CoSPAZ).

Todas essas prioridades exigem inevitavelmente um fortalecimento organizacional do Partido Comunista, uma maior capacidade de intervenção entre a classe trabalhadora e o povo trabalhador, convertendo todos os locais de trabalho, escolas e bairros da classe trabalhadora em espaços de confronto direto com a social-democracia e o oportunismo.

[1] Vagenas, Elisseos. O agravamento da competição imperialista na região do Sudeste do Mediterrâneo e dos Balcãs. A posição do KKE sobre a possibilidade de envolvimento da Grécia numa guerra imperialista. Revista Comunista Internacional nº 5, 2014.


[2] Lenin, V.I. A guerra e a social-democracia russa. Obras completas. Progress Publishers, Moscovo, 1964, vol. 21, pp. 31-32.

[3] Martínez, Raúl e López, Ramón. A social-democracia ao serviço das classes dominantes. A luta do Partido Comunista. Revista Comunista Internacional nº 3, 2012.

[4] Ver o nosso artigo na Revista Comunista Internacional nº 11: As Brigadas Internacionais e o Internacionalismo Proletário, escrito por Raúl Martínez.

[5] Objetivos e Tarefas do Socialismo Democrático. Declaração da Internacional Socialista adotada no seu Primeiro Congresso realizado em Frankfurt-on-Main em 30 de junho a 3 de julho de 1951. Versão em inglês disponível em: https://www.socialistinternational.org/congresses/i-frankfurt/

[6] The World Today: The Socialist Perspective. Declaração da Internacional Socialista dirigida à Conferência do Conselho realizada em Oslo de 2 a 4 de junho de 1962. Versão em inglês disponível em: https://www.socialistinternational.org/councils/oslo-1962/

[7] História da União da Europa Ocidental. A versão em inglês pode ser encontrada em: https://web.archive.org/web/20120811173845/http://www.weu.int/.

[8] Ver o artigo do Partido dos Trabalhadores da Irlanda na Revista Comunista Internacional nº 6:NATO e a UE: Alianças Imperialistas Interestatais, Rivalidade Interimperialista, Expansionismo, a Ameaça à Paz e os Perigos da Agressão e da Guerra, escrito por Gerry Grainger.

[9] Este processo é explicado de forma sintética no artigo “Os Partidos Socialistas e a Construção Europeia”, publicado por José Lamego, membro do PS português, no n.º 57-58 (1994) da revista Leviatán, editada pela Fundação Pablo Iglesias, ligada ao PSOE.

[10] É um facto bem conhecido que o PSOE recebeu apoio político, logístico e financeiro do SPD na década de 1970, tanto diretamente quanto por meio da Fundação Friedrich Ebert. Willy Brandt, numa conferência sobre política internacional do SPD, em 1976, disse: “Como partido social-democrata mais importante da Europa, temos a tarefa especial, através do apoio político e moral dos socialistas democráticos na nossa parte da Europa, de rejeitar não apenas a reação da direita, mas acima de tudo fortalecer a alternativa ao comunismo”.

[11] Martínez, Raúl. Do “eurocomunismo” ao oportunismo atual”. Revista Comunista Internacional, nº 2, 2011.

[12] Questionado numa conferência de imprensa em 11 de junho de 2022, ele observou que “a nossa posição sobre a NATO é conhecida, preferimos não estar na NATO (…) mas se fazemos parte de uma organização internacional e temos obrigações, é óbvio que, enquanto fizermos parte dela, temos de cumpri-las”.

[13] Documento Político. 4ª Assembleia Cidadã do PODEMOS (2021), página 56.

[14] Programa Eleitoral do SUMAR para as Eleições Gerais de Julho de 2023, página 139.

Revista Comunista Internacional, Edição 13, 2024

https://www.iccr.gr/en/issue_article/The-attitude-of-social-democracy-towards-imperialist-war

Fotos: https://www.idcommunism.com/

https://ensina.rtp.pt/explicador/a-adesao-de-portugal-as-comunidades-europeias

https://www.politize.com.br/social-democracia-o-que-e