O que escrevo hoje, tendo passado os quarenta, em pleno vigor e em pleno equilíbrio intelectual, deve, evidentemente, prevalecer sobre o que poderei pensar ou escrever no fim da minha existência, quando estiver física e moralmente deprimido pela idade ou pela doença. Não conheço nada de mais pungente que a atitude de um velho, cuja vida inteira foi dedicada ao serviço de uma ideia, e que, na decadência final, blasfema do que foi a sua razão de viver, e renega lamentavelmente o seu passado.
Pensando em que o esforço da minha vida poderia conduzir a semelhante traição, pensando no partido que não deixariam de tirar de uma tão lúgubre vitória aqueles cujas mentiras e usurpações tão ardentemente combati, todo o meu espírito se revolta, e protesto antecipadamente, com a feroz energia do homem que sou, do homem vivo que terei sido, contra as denegações sem fundamento, talvez até contra a prece agonizante do destroço humano em que posso tornar-me.
Roger Martin du Gard, em O Drama de João Barois, editorial “Inquérito” (4.ª edição), p. 375